Há uns tempos, assisti uma praxe. Por aí. Pelas ruas da vida. Um senhor permitia que um grupo de jovens estipulasse uma praxe a outros, aceitando que alguns pousassem para a fotografia com as mãos a tapar os genitais. Fiquei perplexa. Eu e o meu marido nem queríamos acreditar. Pensei que a perplexidade seria comum a todos os adultos presentes, mas não. Segundo me explicaram, naquele contexto era aceitável. Noutros, não. Mas naquele, era pacífico. Podiam ter escolhido um milhão de outras brincadeiras, mas escolheram aquela, e eu e o meu marido é que estávamos a ver mal, caretas, moralistas, não percebíamos que aquilo é a brincar, que na faculdade ainda vão fazer pior, que não podemos controlar tudo.
Em suma, vai-se a ver, segundo a opinião pública presente no local e até a que não estava presente no local, eu e o meu marido é que temos de nos calar, engolir o sapo e quase pedir desculpa por termos estado no local errado, no momento errado.
Nunca pensei falar deste acontecimento, porque sempre me pareceu que não dá em nada e que a maioria acha que tudo é bom e que as coisas piores só acontecem nos filmes e na televisão. Mas hoje, ouvi um podcast da Radio Maria sobre a influência dos media e a entrevistada citava uma outra pessoa e mencionava o conceito de “espiral de silêncio” e pensei que eu própria estava a deixar-me enredar por uma espécie de teia de silêncio, presa no que os outros vão pensar, e que não é por aí que quero ir.
Nem tudo é bom. Existe o bem e mal. Todos somos capazes do bem e do mal, num ápice. Mas isso não quer dizer que eu não possa dizer que algo está mal feito, que é imoral, que cabe a cada um de nós elevar o tom, que devemos ter cuidado com as nossas atitudes, que não devemos contribuir para um discurso quase pornográfico, que não devemos procurar a aceitação dos outros em troca dos princípios em que acreditamos.
A liberdade não é um conceito dependente da maioria, não é um direito condicionado pelas ideias. A liberdade é apenas condicionada pela liberdade do outro, ora se assim é, temos de aprender a dar espaço a que todos possam falar livremente, sem ser atacados pela maioria que defende que cada um sabe de si e que cada um faz como quer.
Nâo posso dizer que sou contra o aborto porque a vida é um contínuo ininterrupto desde a conceção até à morte, porque a maioria diz que o aborto é um direito da mulher. Não posso dizer que sou contra a eutanásia pelo mesmo motivo que sou contra o aborto, porque a maioria diz que cada um tem o direito de pôr termo à sua vida quando já não há solução. Ora, podia falar de outros temas, mas acima de tudo, importa refletir sobre a liberdade condicionada, enviesada, que vivemos hoje, protagonizada pelos partidos intitulados de “Abril”.
Tenho de aceitar que os meus filhos sejam doutrinados na escola sob a alçada da cidadania e da ideologia de género e isso é liberdade. Tenho de aceitar que aquela praxe é aceitável porque mais ninguém acha mal e isso é Abril. Tenho de aceitar que um filho meu oiça um professor a dizer asneiras na sala de aula, porque já dá aulas há mais de trinta anos e não há nada de mal e isso é liberdade.
Raio de liberdade, esta.