A vida fluía no seu ritmo normal, escola, trabalho, casa, filhos, família e livros, tudo se parecia entrelaçar e plasmar numa aguarela com várias nuances e tonalidades.
Tranquilamente, os anos lectivos sucediam-se, sem sobressaltos, alunos mais ou menos empenhados, mais ou menos agitados. A estratégia de ensinar a aprender, a gostar das aulas e de os ajudar a encontrar um sentido de vida na sua fase vertiginosa da adolescência, exigia uma presença e uma forma de estar no ensino que nem sempre era fácil.
Vocação e missão deram o mote à profissão. Ensinar a pensar, sobre a realidade real, sobre as Ideias, sobre a matéria e também, num rasgo de abstracção, sobre a Alma e o Ser, temas muito queridos aos primeiros filósofos gregos. Os programas de filosofia já eram um pouco tergiversados, anunciavam a destruição que se avizinhava, porém, eu ia-os equilibrando recorrendo ao bom senso e à harmonia na escolha de textos, liberdade que ainda nos assistia.
Um dia, entre um café na sala de professores e uma amena e doce conversa com uma colega, que de bárbara só tinha o nome, e sempre falando de leituras, ela perguntou-me se eu gostaria de ler um livro de pensamentos. Habitualmente só me dedicava a obras de trabalho para complementar o meu parco saber filosófico. Mais por simpatia e educação disse que sim, mas nada convencida. No dia seguinte tinha na mão um pequenino livro, cujo autor era o fundador do Opus Dei. Para mim era tudo estranho, nunca tinha ouvido falar em tal. Considerando que a colega era boa pessoa, normal, bem-disposta e generosa, lá fui com o Caminho no meio dos testes que os alunos tinham realizado nesse dia.
Terminados os afazeres domésticos e familiares, impunha-se organizar o plano de correcção por turmas. Fui colocando tudo na minha mesa de trabalho e lá apareceu aquele tímido e misterioso livrinho. Estava cansada, pressentia que a matéria não tinha sido bem compreendida pelos alunos e faltou-me a coragem de enfrentar essa realidade. Já não era cedo e optei por me ir deitar acompanhada do novo livro. Afinal a procura da Verdade e o Amor ao Saber são o cerne da Filosofia.
Como o marido estava de urgência, não tive o problema de incomodar com a luz acesa. Sem dar por isso, li-o de princípio ao fim, e dormi na paz dos anjos.
Habitualmente, de manhã, recordo tudo o que li na noite anterior, mas neste caso não me lembrava de nada em especial, só percebi que tinha encontrado o fio condutor da minha vida, o elo de ligação entre tudo o que fazia, pensava, sonhava e lutava.
Compreendi a maior dimensão do meu trabalho, ensinar, informar e formar as mentes e consciências que se envolvem e enredam em falsas ideias, guiar as ovelhas tresmalhadas e afugentadas por falsos pastores foi a tarefa a que me propus, pois senti a premência e a responsabilidade de cooperar com o reino de Deus nos afazeres da sala de aula.
Os temas quentes do momento foram explanados já numa outra dimensão, apresentando argumentos consonantes com a dignidade do ser humano, o sentido de vida e de realização pessoal.
Curiosamente as classificações dos testes dos alunos foram uma agradável surpresa, para eles e muito para mim. Também me fui apercebendo que o facto de eu lhes apresentar ideias mais transcendentes, mais próximas do divino os animava e tranquilizava, parecia que uma lacuna na sua mente estava a ser divinamente preenchida. Senti a premência dum apostolado intenso na sala de aula, embora discreto e subtil, a deontologia assim o exigia.
Mais tarde recordando estas vivências aflorou-se-me ao pensamento: “Duc in altum” – Mar adentro! – Repele o pessimismo que te faz covarde. “Et laxate retia vestra in capturam” – e lança as redes para pescar. Não vês que podes dizer, como Pedro: “In nomine tuo, laxabo rete” – Jesus, em teu nome procurarei almas? Caminho – 792
A palavra de Deus não é para estar fechada, mas para voar para onde faz falta. “Que eu não perca nenhum dos que me Tu me deste Pai”, tendo sempre presente que, “Nos empreendimentos de apostolado, está certo – é um dever – que consideres os teus meios terrenos (2 + 2 = 4). Mas não esqueças – nunca! – que tens de contar, felizmente, com outra parcela: Deus + 2 + 2… Caminho – 471