Há uns tempos atrás, uma amiga muito querida pediu-me que escrevesse um texto sobre o meu ponto preferido de um livro de que gosto muito, intitulado “Caminho” de São Josemaria Escrivá. Como viu que o pedido estava a ser preterido por outros afazeres, voltou a insistir e finalmente, num ápice, escrevi o texto e enviei-lho.
Demorei a escrever porque, neste mundo cheio de coisas novas ou que, simplesmente, parecem novas, queria fugir de falar do ponto mais falado. O primeiro. Queria escolher um que poucos tivessem escolhido, para poder fugir de lugares mais comuns. Pretensiosa, eu.
Talvez, hoje em dia, a novidade já não exista. Acabei por ter de me render ao primeiro ponto.
Que a tua vida não seja uma vida estéril. – Sê útil. – Deixa rasto. – Ilumina com o resplendor da tua fé e do teu amor.
Este ponto é aquela frase, lema, mote, que me acompanha sempre e que me ajuda a fazer as camas todos os dias, a varrer todos os dias os mesmos sítios, a descascar as batatas, coisa que detesto, a estender a roupa.
Uma outra amiga, igualmente muito querida, também na tentativa de me ajudar a ver mais longe, enviou-me ontem à noite um livro de Nuccio Ordine, intitulado “A utilidade do inútil”. Um título deveras curioso para um texto que já me está a agradar.
Logo no início, o autor, para justificar o tema escolhido, cita Diderot- “Tudo o que não é útil é desprezado” porque “o uso do tempo é precioso demais para perdê-lo com especulações ociosas”. No meu caso pessoal, não é bem a questão do ócio, pois, de facto, trabalho imenso. A questão é a rentabilidade monetária do meu tempo, pois não pagamos o supermercado, nem a roupa do mais velho, com tarefas domésticas.
Neste livro, fiquei a saber que o mesmo homem que mandou erigir a Grande Muralha da China foi o imperador que mandou queimar todos os livros anteriores a ele próprio. Curioso, a forma como estamos sempre tão perto de fazer o estupendo e o terrível. A forma como tememos que a história nos esqueça, como se não soubéssemos que cada um de nós é irrepetível, mas também é, apenas e somente, um ínfimo ponto no universo.
Não quero que a minha vida seja estéril, nem inútil, mas agora a minha vida também tem de ser rentável e estive tanto tempo na lógica da utilidade, pretensiosamente talvez, que agora, meio encurralada, não consigo entrar na lógica da rentabilidade.
O que vale é que a história também é feita de pessoas santas, geniais, que escreveram coisas simples, mas que são remédio certeiro para as nossas feridas. São Josemaria Escrivá, no ponto treze diz “Afasta de ti esses pensamentos inúteis que, pelo menos, te fazem perder o tempo.”, no ponto trinta “És calculista! – Não me digas que és jovem. A juventude dá tudo quanto pode; dá-se a si própria sem medida.”
Há momentos em que tudo parece confluir para nos ensinar algo que não víamos antes como necessário. Por agora, sem soluções ideais para a minha questão, cabe-me ir digerindo todos estes contributos, escrevendo sempre que posso, pinceladas de incoerência, ideias avulsas ou não, e levar para a frente esta família linda que me cabe governar e administrar.
Que a minha vida não seja estéril…