«A Inês e a Raquel frequentaram o mesmo jardim-escola até aos 4 anos, altura em que o pai dela se mudou de cidade por questões profissionais e toda a família se mudou com ele. Agora aos seus quinze anos voltaram a coincidir na mesma escola, por razões que, por agora, agora não interessa referir.
A Inês provém de uma família teoricamente “muito” católica enquanto na família da Raquel há já duas gerações que deixaram de praticar continuando, no entanto, a batizar os filhos. Só a sua avó Duda vai à missa. A Inês pertence a um grupo de jovens da paróquia que se encontra todas as sextas-feiras ao final da tarde para jantar, discutir temas e conviver. Ela gosta muito do grupo especialmente desde que o Rudolfo entrou. – Ele é lindo!!! Alto, meio loiro, canta, toca viola, é divertido. O rapaz perfeito. Além disso, ele faz as leituras na missa nalgum dos domingos em que aparece na Eucaristia. As raparigas ficam todas um pouco apalermadas quando ele está por perto. E todas ao mesmo tempo despertam o interesse do Rudolfo que gosta de se ver rodeado de olhos e risitos, digamos, tontos! Mas ainda nenhuma despertou o interesse particular do Rudolfo. A Inês tem esperanças de que venha a ser ela a escolhida. Afinal, ela sabe muito de matemática e o Rudolfo, que percebe nada daquilo, já entendeu que a Inês o poderia ajudar.
Agora que se reencontraram convidou a sua amiga Raquel naquela sexta-feira para ir com ela ao grupo. A grande motivação da Raquel é o interesse por conhecer novas pessoas e, além disso, tem inquietação por saber se isso de Deus é real ou só fruto da imaginação dos fracos. É que, segundo a Raquel, se fosse verdade era brutal! Afinal não seriamos apenas poeira cósmica que, com um suspiro do acaso, ganhou vida e com outro suspiro a perderá. Qual seria o sentido desse “entretanto” de tempo entre esses dois suspiros, perguntava-se a Raquel? Claro que o tempo entre os dois suspiros é tão curto comparado com o tempo do Universo que ela poderia optar por não se preocupar. Afinal, é apenas um “entretanto” cientificamente irrelevante quanto à duração!
No grupo discutiram todos calorosamente a injustiça que acontece com a situação de pobreza em Moçambique e também em Calcutá e rezaram pela paz na Ucrânia. Depois, cantaram com muita alegria cânticos de Igreja para preparar a missa dos jovens do domingo seguinte.
No caminho de casa, no metro, as duas amigas conversaram sobre o que se tinha passado. A Inês dispara: Que achaste do Rudolfo?
– Giro! Responde a Raquel.
– Giro? Só isso? (a sua amiga não teria sensibilidade para as coisas boas, pensou a Inês)
– Canta bem, é divertido, mas quando o convidaste para a missa de domingo disse-te que tinha um jogo de futebol importante e que, por isso, não iria.
– Claro, percebo bem a questão, coitado! É importante para ele o futebol. Sabes, li num site que é preciso respeitar os gostos de quem nós gostamos, dessa forma é mais fácil obter o que queremos da outra pessoa.
A Raquel achou pouco romântica a dica da Inês, (obter o que queremos…obtém-se o amor? Pensava a Raquel. Aprender num site…? mas, não iria discutir nada disso…na verdade, não tinha achado piada nenhuma ao tal Rudolfo do cabelo loiro.)
– De todos os modos pareceu-me pouco coerente e isso torna-o desinteressante! (… ele não se dizia cristão? Por que não iria à tal missa dos domingos que percebia ela pela avó Duda era um ponto importante na religião católica. Limitava-se ele só a cantar coisas bonitas ao eventual Deus? Ela, Raquel, não ia à missa porque não acreditava em Deus. Mas o loiro afirmava acreditar. Que palerma! Se calhar esse Deus não existia, se os que dizem acreditar nele o negam com os atos! Não, aquilo não era para ela. Algo ou é verdade ou é falso. Se é verdade é para levar a sério se é falso é para não perder tempo e dedicar-se a outra coisa. E a sua amiga Inês ia ao grupo só por causa do Rudolfo… Não voltaria ao grupo de jovens e iria esquecer a questão de Deus.)»
Depois da Inês sair na sua paragem a Raquel enviou uma mensagem de voz à sua avó resumindo o fim desse dia e as suas resoluções. Aqui fica a resposta: «Raquel, o exemplo dos outros facilita, mas não é determinante uma vez que Deus interpela individualmente e a resposta é pessoal. As nossas decisões não são 100% puras. Há inúmeras razões que nos levam a decidir. Se a presença do Rudolfo é importante para a Inês quem sabe se Deus não estará a contar com isso para que a tua amiga procure mais formação cristã. A Inês não é perfeita. Tu, Raquel, não és perfeita. O Rudolfo não me parece mau rapaz e também não é perfeito (pelo menos é giro ). És demasiado radical, querida neta, as coisas quase nunca não são apenas pretas ou brancas. Vá, respira fundo, amanhã falamos, agora o teu avô precisa de mim, bem sabes. Ele está tão velhinho, mas… cada vez gosto mais dele. Um beijinho da avó Duda. A avó assinava, a Raquel sorriu, só os velhinhos assinam mensagens de whasp…)
(Texto escrito no âmbito da disciplina de Religião, Colégio Mira Rio, Lisboa)