Eça de Queiroz é um escritor, romancista, contista, poeta, advogado e diplomata português; nasceu em uma pequena cidade no Norte de Portugal e morreu na França, em sua casa, na região parisiense. Após concluir os estudos na província natal, ingressou na Universidade de Coimbra, onde formou-se em Direito, e começou a publicar seus primeiros trabalhos como escritor na revista “Gazeta de Portugal”. Posteriormente à formatura, mudou-se para Lisboa, onde trabalhou como advogado e jornalista. Iniciou a carreira diplomática em 1870 e trabalhou em diversas cidades, até se mudar para Paris e casar-se.
Os anos mais produtivos de sua carreira literária vão de 1874 a 1878, quando trabalhou na Inglaterra como diplomata. Com grande senso de observação, Eça de Queirós desmistificou a hipocrisia e o falso moralismo dos costumes sociais. Optando por utilizar a linguagem corrente de Lisboa, Eça renovou a literatura portuguesa e se firmou como o maior escritor do realismo em Portugal. O autor é reverenciado como um dos mais importantes escritores da literatura portuguesa, é reconhecido por clássicos como “O Crime do Padre Amaro” (1875), “O Primo Basílio” (1878), “A ilustre casa de Ramires” (1900), “Correspondência de Fradique Mendes” (edição póstuma, em 1900), “A cidade e as serras” (1901, póstumo), “A Capital” (edição póstuma de 1925), e seu “magnum opus” é “Os Maias”, sendo a obra tida por muitos especialistas como o melhor romance realista português do século XIX.
A rigor, Eça de Queiroz e Machado de Assis são considerados os dois maiores escritores em língua portuguesa do século XIX. Focando sobre Eça: ele notabilizou-se pela originalidade e riqueza de seu estilo e linguagem, e o eixo de seus textos é o chamado realismo descritivo, com o qual realiza a crítica social constante nos seus romances. Neste sentido, o romance realista “Os Maias” retrata bem a época, apresentando os espaços sociais da burguesia e denunciando a corrupção, a superficialidade e a mentalidade retrógrada.
Narrado em terceira pessoa – há um narrador que se entrepõe entre o autor e o leitor – o texto explica suas opiniões e a grande preocupação com a situação social portuguesa da época; ele tem o compromisso de mostrar a realidade; ele expõe todas as mazelas da sociedade, neste caso, a portuguesa, que vive um período de decomposição moral; o livro mostra-nos um retrato da Lisboa da época, cujo espaço é caracterizado pela degradação social e onde os portugueses exibem sua ociosidade crônica; trata-se pois, do símbolo da decadência nacional que está a serviço da crônica de costumes.
Quanto ao tema central do livro, ele polemiza o incesto; por outro lado, trata-se do romance mais extenso de todas as obras que o autor escreveu; ele levou dez anos para perfazê-la; o texto é dividido em dois planos narrativos, um trata das três gerações da família, centrado no personagem do Carlos Maia, e o segundo destaca-se na crítica sobre a alta sociedade de Lisboa, em 1880; além disso, ressaltamos que a obra já foi adaptada três vezes para a televisão como série e minissérie, uma série em 1979, pela Rádio e Televisão de Portugal (RTP), e em 2001 foi produzida uma série pela Rede Globo, estreada simultaneamente no Brasil e em Portugal, e ainda, em 2015, uma minissérie com dois capítulos.
Passamos a seu resumo: “Os Maias” se passa em Lisboa, na segunda metade do século XIX; no outono de 1875, Afonso da Maia, um homem nobre e rico proprietário, instala-se no casarão chamado Ramalhete (o nome da residência deve-se a um adorno como se fora um ramalhete de girassóis, colocado sobre sua porta de entrada); Afonso da Maia é casado com Maria Eduarda Runa com quem tem um filho, Pedro da Maia. Pedro da Maia tem uma romântica e religiosa educação extremamente protecionista; muito apegado à mãe, ele se vê inconsolável após sua morte, até que conhece Maria Monforte, a filha de um negreiro (traficantes de escravos). Afonso da Maia não aceita o romance do filho com Maria Monforte, mas eles se casam mesmo assim.
O casamento resulta no nascimento de dois filhos, uma menina – Maria – e um menino – Carlos. Algum tempo depois, Maria Monforte se apaixona por um príncipe italiano, Tancredo, e foge com ele para a Itália, levando consigo a menina e abandonando o menino e o marido. Após descobrir a fuga da amada, Pedro da Maia não suporta o abandono e se suicida; seu filho, Carlos, é entregue aos cuidados de seu pai, Afonso.
A criação de Carlos da Maia é esmerada, e seu avô o manda para Coimbra cursar medicina; após formar-se, Carlos retorna ao Ramalhete como médico e abre um consultório. Logo, Carlos rodeia-se de amigos, de camaradas intelectuais e de jovens da alta burguesia, abastados e ociosos. Dentre as amizades que o cercam, há uma senhora cuja beleza o fascina, chamada Maria, pretensamente casada com um rico brasileiro, Castro Gomes.
Carlos apaixona-se por ela, ambos mantêm sua relação amorosa mas, depois de algum tempo, o jovem descobre que a senhora não era casada, mas sim amasiada com o brasileiro; ambos não se importam com a situação, e continuam se encontrando. Até que um dia aparece um viajante com documentos direcionados para Maria Eduarda, o verdadeiro nome da “madame” Castro Gomes; esse caixeiro-viajante traz consigo um cofre alegando que pertence a Maria Eduarda; no cofre existe a herança que a progenitora lhe deixara e também documentos que comprovam a riqueza e a garantia do parentesco entre Maria Eduarda e sua suposta mãe.
Assim, Carlos descobre que a mãe de Maria Eduarda é Maria Monforte, ou seja, sua própria mãe que fugira com o príncipe napolitano e que o abandonara e igualmente desprezara seu pai. Ou seja, ele, Calos, e Maria Eduarda são irmãos! Contudo, ele não aceita a informação e continua com a relação – incestuosa – com Maria Eduarda, a qual nada sabia do parentesco. O avô, Afonso da Maia, descobre a prática do incesto pelo neto e morre de desgosto. Quando Maria Eduarda descobre e confirma toda a trama, e estando agora rica, ela vai embora para Paris e lá se casa. Para esquecer o ocorrido, Carlos resolve rodar pelo mundo. Após dez anos, ele retorna a Portugal e se reencontra com os companheiros. Seu maior amigo, João da Ega, o saúda pelo retorno, e “Os Maias” termina com o reencontro dos dois, ainda Carlos dizendo ao camarada: “falhamos a vida, menino!“.
Algumas observações sobre o livro destacam-se habitualmente; uma delas refere-se à mansão do Ramalhete, a qual é vista em três perspectivas diferentes: na primeira, a moradia encontra-se abandonada, na segunda, ela é novamente habitada pelo personagem central do romance, Carlos da Maia, e pelo avô, após sua decoração realizada por um inglês, e finalmente, uma década depois, posta novamente ao abandono, após ter sido habitada por escassos dois anos. Eça de Queiroz transborda de realismo em seu texto, na medida em que os elementos concretos e práticos correspondem às etapas que compõem a história criada por ele; o relaxamento inicial do imóvel corresponde à velhice de seu proprietário, o avô Afonso da Maia – este é a síntese das tradições e virtudes portuguesas; a seguir, o esplendor da mansão é mantido porque seu neto, Carlos, ali habita e refaz a “alegria de viver” da família; ao final, depois de todo o drama vivido pelo “menino” Carlos (em Portugal, “menino” corresponde ao nosso “moço”), este parte em procura de uma nova realidade. Não se pode negligenciar que, no decorrer do texto, há a presença constante de quatro elementos absolutamente significativos: são eles um cipreste, um cedro, uma cascatinha e uma estátua de Vênus.
Na metáfora de um autor realista, esses são os elementos que se perpetuam, a realidade permanece enquanto nossas ambições e nossos sentimentos nem sempre o conseguem. Como sabemos, “Os Maias” traz uma representação dos espaços sociais internos e externos onde situam os personagens e, ao representar esses espaços, o autor exprime uma crítica à sociedade portuguesa, incidindo nos costumes e comportamentos da burguesia da época. Eça de Queiroz conclui este romance de 688 páginas com ironia e desesperança, quando amigos recordam o passado juntos. Não desesperemos, trata-se de um romance, enquanto cabe a nós compormos nossa vida com autenticidade e boa expectativa.