Parte I
Os resultados das últimas eleições europeias impelem-nos a reflectir sobre as razões, a necessidade e a urgência da participação dos cristãos na vida política.
A maior parte de nós viveu a sua adolescência e juventude numa época em que a participação na vida política estava na ordem do dia. Havia interesse, debatiam-se ideias, confrontavam-se argumentos. A verdade é que, na primeira pessoa, ou através de figuras de familiares, crescemos em presença de uma cultura de participação política ativa.
Com a maturação do regime democrático em Portugal, esta incandescência arrefeceu e fomo-nos deixando tomar pelo rótulo do ‘povo de brandos costumes’. Todavia, cada um de nós – arrisco a dizer – pela sua história pessoal, de um modo ou de outro, também já percepcionou o quão importante foi para aquele filho, aquele amigo, aquela escola, instituição, a intervenção certeira, verdadeira e cristã que conseguiu separar as águas, distinguir o preto do branco e mostrar um caminho que parecia ofuscado pelo ambiente e pela cultura dominante.
Ser cristão é identificarmo-nos com Jesus Cristo e conformarmos a nossa vida ao Evangelho. Ser Cristão é uma opção pessoalmente exigente que impele a uma cidadania responsável. Esta ideia não é de agora. Ao lermos as Epístolas encontramos inúmeras referências de que assim foi desde o início, nas diversas exortações a uma existência virtuosa, ao respeito e atendimento dos mais desfavorecidos, ao cumprimento das obrigações cívicas, como pagamento pontual dos impostos, o respeito pela autoridade, entre outras – “dai a cada um o que lhe é devido: o imposto, a quem se deve o imposto; a taxa a quem se deve a taxa; o respeito a quem se deve o respeito; a honra a quem se deve a honra (Rm 13,7)”. Ainda podemos ler na Carta a Diogneto, de um autor eclesiástico dos primeiros tempos -“Os cristãos residem na sua própria pátria, mas vivem todos como de passagem; em tudo participam como os outros cidadãos, mas tudo suportam como se não tivessem pátria (…). Obedecem às leis estabelecidas, mas pelo modo de vida superam as leis (…). Tão nobre é o posto que Deus lhes assinalou, que não lhes é lícito desertar”.
Cada tempo histórico desafia os cristãos a diferentes formas de participação na vida política. Conquistados os direitos e liberdades fundamentais, através dos quais podemos eleger os nossos representantes no governo central e local, é interessante pensar de que forma poderemos concretizar modos de intervenção cívica e política que cristianizem a sociedade defendendo os valores e verdades fundamentais. São João Paulo II, na exortação apostólica Christifidelis laici nº 42, refere – “Num sistema político democrático, a vida não poderia processar-se de maneira profícua sem o envolvimento ativo, responsável e generoso de todos, ‘mesmo na diversidade e complementaridade de formas, níveis, funções e responsabilidades’.” Numa nota doutrinal da Congregação da Doutrina da Fé sobre a participação dos Católicos na vida pública (2002) pode ler-se -“ (…) os fiéis leigos desempenham também a função que lhes é própria de animar cristãmente a ordem temporal”. Chegadas a este ponto creio ser interessante que pensemos, em conjunto e também cada uma de per si, como poderemos fazê-lo?
Isabel Alexandre
Parte II
O facto de vivermos numa sociedade democrática é realmente facilitador da nossa participação e intervenção nas diferentes áreas. Existem inúmeros organismos, fóruns e plataformas que criam espaços de debate onde o nosso contributo será bem-vindo ou, caso não seja, será então muito necessário.
Uma das principais razões para a nossa intervenção é a tendência atual generalizada de dissociar a ética e a moral da Lei Natural. Resultado desta tendência é o corpo de legislação que infelizmente vem sendo aprovado em diferentes países europeus e também em Portugal para salvaguarda da liberdade individual e dos direitos individuais como por exemplo, aprovação do aborto; da gestação de substituição; do casamento homossexual; da eutanásia. Cabe-nos a nós evidenciar o seu cariz falacioso e, acima de tudo, perceber o impacte que tem na política, na cultura e no modo de pensar das gerações mais jovens. Um dos quadros que daqui resulta é a renuncia a valores universais e eternos e a sua substituição pela condescendência e princípios transitórios em ordem à defesa da liberdade pessoal. A inscrição deste discurso na legislação resulta na fragilização dos alicerces sobre os quais se funda a nossa civilização e ainda, creio que poderei dizê-lo, na abertura de um caminho minado às gerações futuras. Pensemos no investimento que tem sido feito ao nível de legislação, comunicação, formação para a implementação do Programa de Educação Sexual nas Escolas e no atentado que consubstancia à dignidade da pessoa humana, à liberdade de educação e à defesa da família, através da doutrinação das crianças pela Ideologia de Género.
Nesta linha de pensamento, poderá ser útil a participação ativa na vida política através do apoio expresso ou indireto aos partidos políticos cujo programa se alinha segundo os princípios da ética e da moral fundada na Lei Natural e, consequentemente, uma recta concepção de pessoa. Para tal, diria que um primeiro e essencial nível de participação cívica é conhecer os programas e as pessoas que exercem ou são candidatos ao exercício de algum cargo público elegível. Sermos portadores de uma consciência política informada, ajuda-nos a perceber a necessidade e a urgência da nossa intervenção.
Se para algum a militância de partidos políticos se afigura como um caminho, a maioria de nós, poderá optar por outras vias de intervenção cívica e política atualmente acessíveis e que não são de menor importância. Ampliar a base de apoio a projectos que, na sua génese, tenham a missão de salvaguardar da pessoa humana, defender a vida desde a concepção até à morte, a defesa da família e do trabalho digno, constitui um serviço essencial à salvaguarda do bem comum e à humanização e cristianização da vida política.
Parte III
Por onde começar?
Comecemos por considerar a nossa vocação e as circunstâncias pessoais da vida de cada um; em segundo lugar, a afinidade maior ou menor com cada uma destas causas; em terceiro, conhecer o ambiente em que nos movemos, perceber o que é que já se faz e o que falta fazer; por fim não ficar sentada no sofá, como dizia aos jovens o nosso querido Papa Francisco.
Para alguns de nós poderá ser interessante, impelidos por algum empreendorismo e movidos por algum problema concreto que exige a nossa resposta, criar projetos de intervenção numa área específica – apoio a jovens mães, promover em articulação com instituições locais, Ciclos de Conferências sobre a família e os seus desafios ao longo das diferentes fases de maturação da vida conjugal ou dos filhos, entre muitas outras possibilidades.
Para outras associar-se a projectos e vozes já existentes através de trabalho voluntário, poderá ser o caminho a seguir.
PTC – protege o teu coração é um programa representado em Portugal, desde 2009 pela Associação Família e Sociedade e tem sido uma resposta importante ao programa de Educação Sexual que tentam implementar nas escolas públicas. Consiste num programa de educação da sexualidade baseado na formação do carácter que envolve crianças e adolescentes e respetivos pais. A equipa que implementa o programa é multi-disciplinar e capacitada para abordar todos os temas a públicos dos 10 aos 18 anos e a pais. Será pertinente sugerir que na escola dos meus filhos, ou de filhos de amigas, se conheça o PTC? Posso seguir a sua página no FB e no Instagram?
O movimento Cívico Stop Eutanásia que desde 2016, vem promovendo debate público sobre a eutanásia. Trata-se de um serviço de informação multidisciplinar criado por cidadãos para divulgar as diversas escolhas e caminhos alternativos à eutanásia e ao chamado “suicídio assistido”. Promovendo a cultura do respeito pelos mais vulneráveis. Para além do seu blogue com artigos sempre pertinentes e atuais, organizam debates e sessões de esclarecimento de norte a sul do país. Considero que as pessoas com que me relaciono no trabalho ou noutros contextos estão bem informadas sobre este tema tão importante? Poderei sugerir organizar uma sessão de esclarecimento/debate no meu bairro ou onde trabalho?
Um outro exemplo, a Plataforma Pensar&Debater que abre um espaço de reflexão sobre o tópico ‘Que sociedade queremos para Portugal?’. Através da sua página do FB consegue trazer à luz aquelas teses e notícias que habitualmente são silenciadas pela comunicação social e mentalidade dominante. Ampliar a base de seguidores desta plataforma poderá ser uma forma de intervenção cívica e política?
Por fim, uma forma simples e muito eficaz poderá ser escrever para os jornais tanto para elogiar, como para criticar e exigir a reposição da verdade ou a contraposição de uma tese defendida.
Acabo com a Metáfora dos Macacos de um autor desconhecido.
Um grupo de cientistas colocou cinco macacos numa jaula. No meio da jaula, uma escada, e, em cima da escada, um cacho de bananas. Quando um macaco subia a escada para apanhar as bananas, um jacto de água fria era acionado em cima dos que estavam no chão.
Depois de um certo tempo, quando um macaco ia subir a escada, os outros agarravam-no e enchiam-no de pancada. Passado mais algum tempo, nenhum macaco subia a escada, apesar da tentação das bananas.
Então, os cientistas substituíram um dos macacos por um novo. A primeira coisa que ele fez foi subir a escada, dela sendo retirado pelos outros, que lhe bateram. Depois de algumas sovas, o novo elemento do grupo já não subia a escada.
Um segundo macaco, veterano, foi substituído, e aconteceu o mesmo, tendo o primeiro substituto participado, com entusiasmo, na sova ao novato. Foi trocado um terceiro macaco e aconteceu a mesma coisa. Um quarto e, o último dos veteranos, foi substituído.
Os cientistas, então, ficaram com um grupo de cinco macacos que, mesmo nunca tendo tomado um banho frio, continuavam a bater naquele que tentasse apanhar as bananas. Se fosse possível perguntar a algum deles por que batiam em quem tentasse subir a escada, com certeza a resposta seria:
“Não sei… Mas as coisas sempre foram assim por aqui…”