Quem foi Diógenes? Um filósofo que viveu entre 413 e 327 antes de Cristo, nasceu em Sinope, atualmente uma cidade ao Norte da Turquia e à beira do Mar Negro, foi discípulo de Sócrates e foi contemporâneo de Platão e de Aristóteles, com os quais compartilhou ensinamentos filosóficos. À época, Diógenes de Sinope, como era conhecido, ou simplesmente Diógenes, foi profundamente influenciado pela escola do cinismo, e tornou-se um filósofo sem domicílio fixo, errava pelas cidades e preferia viver dentro de um tonel porque assim sentia- se mais livre para expor seus pensamentos. A tradição atribui ao pensador uma numerosa produção literária e filosófica, mas grande parte de sua obra parece ter sido perdida, e algumas retomadas por outros autores; somente quatro títulos são reconhecidos: três tragédias e um texto filosófico, o “Tratado dobre o amor”.
Avançamos, e perguntamos: o que é o cinismo? É uma atitude de questionamento frente à vida, a seus valores dominantes, e a qual prega a desenvoltura das ações de seus seguidores, ao mesmo tempo em que estes tornam-se materialistas e buscam a sabedoria da liberdade, fora de qualquer influência dos deuses da época, e sempre tentado aproximar-se da natureza. Diógenes foi muito influenciado por seu mestre Zenon, o qual procurava conciliar a teoria da sabedoria e a física; ele associa as teses naturalistas de então à sabedoria de um sistema materialista, de experimentação dos fenômenos naturais e de reconhecimento das causas que a natureza nos impõe; dessa forma, pela primeira vez, os pensadores estabeleceram o princípio da causalidade, o qual é determinado pelos acontecimentos que seguem conforme as leis da natureza.
Como consequência desse tipo de pensamento, no decorrer do tempo, seus seguidores voltam-se igualmente para uma nova “escola”, o estoicismo. O estoicismo é uma filosofia da ética pessoal influenciada pelo sistema lógico e por sua visão do mundo natural; segundo o estoicismo, os seres humanos devem aceitar o momento tal como a eles se apresenta: não se devem deixar controlar pelo desejo do prazer nem pelo medo da dor, e é necessário utilizar os recursos de seu intelecto para compreender o mundo e para realizar sua parte no plano da natureza; e mais, são chamados a trabalhar com os outros e a tratá-los a todos de maneira justa e com igualdade.
Os estoicos são particularmente reconhecidos por seu ensinamento moral, segundo o qual “a virtude é o único bem” para os seres humanos e as situações exteriores tais como a saúde e o prazer de viver conforme as regras da natureza. Estas linhas foram consagradas à escola filosófica decorrente do cinismo, a saber, o estoicismo; retornamos, agora, a nosso foco principal, a missão do filósofo Diógenes quanto ao desenvolvimento da filosofia cínica. Pode parecer estranho, para nós, atualmente, que se valorize o “cinismo”, mas é por isso mesmo que devemos explicar do que tratamos.
Esta doutrina filosófica grega, fundada por Antístenes de Atenas, prescrevia a felicidade de uma vida simples e natural através de um completo desprezo por comodidades, riquezas, apegos, convenções sociais e pudores, utilizando de forma polêmica a vida canina como modelo ideal e exemplo prático destas virtudes. Questionamos “por que vida canina”; porque cínico significa “cão”, em grego; portanto, viver uma vida sem apegos refere-se a uma vida de cão; Diógenes absteve-se de qualquer convenção social e de moral vigente, e decidiu morar em uma barrica, como se fosse um animal interessado somente nos elementos naturais mais imediatos, distante de qualquer costume rígido que impedisse sua reflexão filosófica.
Sabe-se, também, que ele vagava tendo em mãos uma lanterna, à procura de um ser humano autêntico: para ele, os homens mais nobres são aqueles que desprezam a riqueza, a glória, o poder, e que, igualmente, dominam a pobreza, a escuridão, o sofrimento e a morte (neste trecho de seu pensamento, vemos destacar-se a influência do estoicismo). Segundo os cínicos, em todos os sentidos e em todas as coisas, deve-se seguir a natureza, deve-se saber contentar-se com o essencial, e também desprezar aquelas pessoas que se aproveitam de nós e que nos fazem sentir como “animais de circo”, ao invés de considerar-nos como homens verdadeiros (onde há respeito à igualdade de direito de cada um).
Portanto, os cínicos propõem uma vida sóbria e, ao mesmo tempo, exigente, onde os bens do mundo e suas múltiplas tentações são recusadas. Assim, a pobreza permite ao filósofo uma ajuda que não se aprende nos livros, a saber, ele oferece ao outro a certeza de sua palavra e a manutenção da mesma. Quando da morte de Diógenes – por causa até hoje não plenamente esclarecida – seus compatriotas erigiram uma estátua de bronze sobre seu túmulo, a qual contém a seguinte inscrição: “O tempo corrói o bronze, mas tua glória, Diógenes, será eterna, pois somente tu mostraste que os homens são autossuficientes. E você mostrou o caminho mais curto para a felicidade.”
Esta estátua perdura até hoje, na cidade de Sinope, na atual Turquia. O que se deve ressaltar, em nosso texto, é que a palavra “cinismo”, a partir do século XIII de nossa era, adquiriu um sentido pejorativo de escárnio, de zombaria e até de imoralidade, porque não se acatava a ordem social organizada.
Portanto, o cinismo seria considerado um pensamento da erosão, mas seria errado encontrar, aí, qualquer viés de niilismo; esta modificação tem como objetivo trazer o filósofo a uma “vida fácil” justamente porque permite a ele, na medida do possível, livrar-se daquilo que pode sobrecarregá-lo. Neste sentido, a “teoria cínica” preza sempre a própria vida vivida dia a dia, e poderíamos concluir que o cínico não é inimigo da cultura, nem da literatura, seja para ler ou escrever, mas sim, que ele lança uma forma radical de pragmatismo, o que nos auxilia muito na solução de nossos problemas.
Lamentavelmente, nunca se busca saber que o cinismo era o modo mais natural e mais simples de se buscar a felicidade, porque o que se pregava era exatamente a ausência de ambição desmesurada, a ganância sem limites, o que, por sua vez, era – e o é, até hoje – o caminho certeiro de desgaste emocional, do ataque feroz aos outros, do desdém com a existência alheia e com a condição de vida das outras pessoas que não sejam “eu”.
Para finalizar, o grande filósofo Platão, coetâneo de Diógenes, o qualificava como uma espécie de “Sócrates louco” – o que não deixava de ser um grande elogio, referindo-se a quem, ao “pai da filosofia” – mas, neste caso, isto queria dizer que ele era alguém que se abandonara totalmente a seus pensamentos e a seu modo de vida, pouco importando-se com o que pensavam dele; a interpelação que ele fazia aos passantes na rua, “Busca-se um verdadeiro homem”, pode-se afirmar que perdura até hoje; poucos são os verdadeiros seres humanos, aquele que se devotam a auxiliar os outros, os que se importam em prover bons costumes e mantê-los neste trajeto.
Saudamos este filósofo cujas ideias e atitudes estão perenizadas e cuja posteridade deriva tanto de suas múltiplas e contraditórias representações quanto de suas palavras relatadas, mantendo assim uma lenda que não está prestes a se extinguir. Os exemplos de Diógenes, para quem “a esperança é a última coisa que morre na vida”, nos fascinam por muito tempo, enquanto nos ensinam sobre nossa sociedade moderna.