Percorri alguns trechos rodoviários no México e em muitos momentos enxerguei similitudes com áreas do Oriente Médio. Chão batido, arenoso, vegetação pobre, rebanhos dos resistentes cabritos, pequenas elevações vincadas pela secura e áreas extensas com baixa população. Vez por outra o cenário também nos remete aos filmes de faroeste, nos quais os mexicanos são invariavelmente retratados como beberrões, preguiçosos e bandidos. Almas brutas, desertas num meio agreste.
“Depois de tantas horas de caminhar sem encontrar nem uma sombra de árvore,
nem uma semente de árvore, nem uma raiz de nada, ouve-se o ladrar dos cães.
Às vezes chegamos a acreditar, no meio deste caminho sem margens, que depois
não haverá mais nada; que não se poderá encontrar nada do outro lado, no fim
desta planura rachada de gretas e de arroios secos.”
Este texto pertence a um conto de Juan Rulfo, consagrado escritor mexicano, publicado na obra “A planície em chamas”. Autor de apenas dois livros, Rulfo é considerado precursor do realismo mágico e fonte de inspiração para escritores como Garcia Marquez e Julio Cortazar. Li, por recomendação, seu clássico “Pedro Páramo”, mas o estilo não me agrada, ainda que me tenham garantido que traduz o México. Pode ser, mas não gostei. As idas e vindas do texto o tornam aborrecido, mas dado o reconhecimento internacional da obra, por certo a limitação é minha.
A exiguidade de obras de um autor laureado como Rulfo, que morreu com honras nacionais, me fez lembrar de Tomaso de Lampedusa, autor de um só livro, o clássico “O leopardo”. Mal comparando, um gol isolado e belo numa final de campeonato. Um golaço. Inesquecível.
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Dias atrás li o texto de uma filha a esculachar a família de seu pai e a exaltar as qualidades da mãe, cuja existência foi sofrida, amargurando seus dias e sufocando seus talentos. O alto relevo dramático me fez lembrar de casal que conheci a certa distância. As mesmas queixas, a mesma infelicidade. Um casamento sem amor por parte do marido, concretizado por conta de uma gravidez antes do matrimônio, com forte sentimento de culpa do noivo, e que seria mantido pela dedicação extremada dos pais pelos filhos. Pelo que se viu, isto não foi suficiente para que os filhos conseguissem entender o que se passara. Suas almas parecem ter uma extensa área deserta, onde reina um carcará prometeico que lhes devora, lenta e diariamente, o fígado.
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Sozinho no México, prestava atenção no noticiário televisivo, sempre da mesma emissora nos hotéis em que me hospedei. Enquanto mitigava o jejum noturno, a pauta era de violência e crimes, temperando as tortillas, o café preto e as frutas doces, particularmente os melões, perfumados e saborosos.
Crimes bárbaros a rodo e chacinas, respingando hemácias num povo gentil e risonho. A criminalidade no México é como um deserto de barbárie em meio a uma sociedade disciplinada.
Impossível não lembrar do Brasil. Inevitável perceber as semelhanças que nos aturdem, tonteiam, desencantam e, pior, desesperançam. Lá, como cá, a lepra social é a impunidade. Falha a justiça, o resto apodrece. Conversei com as pessoas tanto quanto o trabalho e as situações permitiram, tentando descobrir o que o México pretende fazer para combater o narcotráfico. A resposta mais frequente que escutei reconhece a ineficiência do Estado, porquanto contaminado pelas organizações criminosas. Ou amedrontado pelas ameaças endereçadas pelas mesmas. Não estariam mais na fase da corrupção pura e simples, da leniência culposa, mas no estágio do medo instalado nas instâncias do poder.
Como então resolver o problema, se o Estado é impotente ou cúmplice? A sociedade deverá decidir, foi a resposta. Só ela poderá virar este jogo. Pelo menos no Brasil, entretanto, a tarefa será ainda mais ingente porque costumamos atirar nos ombros do Estado o que ele deixará mais adiante pelo caminho. Diante de nossos olhos, tomados de preguiça e falsa indignação.