Vem-me à lembrança uma conversa informal com um leigo católico à beira-mar, a sul de Colombo no Sri-Lanka. O sacerdote que me acompanhava teve breve encontro e deixou-me com o leigo da sua paróquia sobre a areia. Uma das questões deste foi sobre o que eu diria da oração de alguns católicos: rezam a Jesus e ao diabo, que é preciso estar de bem com ambos. É uma forma de concordismo religioso estranho. Alguns escritores católicos têm estilos que vão nesse sentido. Esquivismo de fuga ao sim, sim, não, não do Evangelho. Será que me diz respeito? Pode atingir a todos. Em tempos de grandes tribulações topa-se aqui e ali o recurso a todos os gurus e ao diabo, e nem sempre a Cristo. Esquivar-se ou fugir a uma convicção de fé em Cristo será mais frequente na Igreja do que muitos pensam. De certos encontros sinodais com tantas opiniões fica vontade de pedir a Jesus que tome a sua palavra de novo e fale. Foi a minha meditatio num deles. Eis algumas dessas palavras.
Estais no mundo, mas não sois do mundo. Nunca é demais ter Jesus Cristo a falar e a dar o sentido do Reino de Deus ao lado dos pensares do mundo. A tentação é grande para todos, na Igreja, de fazer uma leitura relativista do ser moderno e do mundo. Outra coisa é estar nele e viver a vida cristã segundo as palavras de Cristo. Ser do mundo é pôr a confiança primeira na riqueza, na sabedoria humana, na força, na esperteza mundana, nas grandezas do número, nas grandes posses, no dinheiro e meios disponíveis. Vida de sucesso, abundância, glórias, festas grandiosas, empregos de cinco estrelas, isso sim. Toda a vida terrena farta dispensa o Reino de Deus, a vida eterna e o que Cristo propõe. Jesus toma a palavra e diz aos jovens-adultos: tocamos árias tristes e não chorastes; tocamos canções alegres e não dançastes. Prometi-vos do meu Pão de vida e eterna e fostes embora. Perguntei aos meus discípulos: também quereis ir? Sabeis a resposta. Sentis que sois poucos nas missas dominicais e eu sosseguei-vos: não temais, pequeno rebanho, nem deixeis o Reino. Digo-vos: segui-me e os muito ricos ficam tristes e vão-se embora. Muitos defendem o aborto a eutanásia, o descarte de pessoas com argumentos mundanos; e eu digo-vos: deixai vir a mim as criancinhas; deixai vir à luz os bebés. Lázaro jazia à porta do rico, coberto de chagas e com fome e Eu repeti: tive fome e destes-Me de comer… Digo-vos que o Reino de Deus não é um espetáculo, mas um fermento escondido na massa, semente na horta, sal na comida, luz no candelabro; e que o vento sopra sem se saber donde vem e vós esqueceis o Espírito Santo no templo do vosso corpo. Disse que tinha que ir para Jerusalém para dar a vida por todos; e muitos, como Pedro, aconselham: Deus te livre, não pode ser; e muitos preferem ir para as festas e arraiais e faltam ao meu calvário da Eucaristia.
Nesta altura alguns já me estarão a dizer que sou radical ou até masoquista. Não faz mal alertar o psicólogo. E Cristo alertou os que procuram entrar pela porta estreita; muitos não conseguirão, porque é mais fácil pela porta larga das multidões nas praças coloridas. Mais forte e chocante para as assembleias deste mundo, Jesus disse: não deiteis pérolas a porcos… nem coisas sagradas aos cães, para exprimir como é difícil abraçar o Reino de Deus. Dir-me-ão: esqueceu outras palavras de Cristo. O leitor as lembrará. Termino com mais estas: Pedi e recebereis… Sem Mim, nada podereis fazer. Radical, Jesus?
Temos tendência a esquecer que entre o pensar e agir deste mundo e o ser do Reino de Deus-Igreja há um abismo de realidade. As compreensões iluminadas e coerentes dos mestres mais ilustres e humildes das universidades e dos parlamentos de todo o mundo são apenas tentativas de entender e dar passos. Até vir o click de luz e sopro do Alto. Trágico é se o abismo se alargar por esquivismo desviante de quem procura a única ponte que dá acesso ao Caminho (método), Verdade e Vida.