Skip to content

A liberdade e o medo

  • Julho 9, 2022
  • Conexão | Brasil x Portugal
  • José Maria C. da Silva André

Os sobreviventes da Segunda Guerra Mundial tinham o propósito firme de construir um mundo novo. Não apenas reerguer as ruínas destruídas pelas bombas, mas sobretudo lutar pela liberdade e pela harmonia entre os povos. Desafio grandioso e concreto, para que as atrocidades cometidas à escala mundial pelos nazis e seus aliados não se voltassem a repetir.

Depois daquela tragédia imensa, muitos —em particular na Alemanha— tomaram consciência do efeito corrosivo do medo, capaz de degradar sociedades inteiras até abismos inimagináveis. Hitler, ou Stalin, nunca teriam feito milhões de vítimas, sem gigantescas máquinas de funcionários subservientes.

Qual foi a responsabilidade de cada um deles? Aparentemente, quase ninguém teve culpa. A dactilógrafa apenas escreveu uns papéis à máquina; o carteiro apenas entregou a correspondência; o polícia apenas cumpriu as ordens que recebeu do tribunal; o contabilista apenas tratou de que todos recebessem pontualmente o salário; o funcionário apenas cumpriu o horário do serviço; o maquinista do comboio apenas fez as viagens que lhe mandaram; o guarda-freios apenas garantiu a eficiência da circulação … Cada um desempenhou um minúsculo papel, mas o resultado foi o holocausto organizado de milhões de inocentes.

Este paradoxo fez com que muitos, na geração posterior à Segunda Guerra Mundial, compreendessem a dimensão ética de todas as acções humanas. Qualquer tarefa pode colaborar numa obra maravilhosa, ou numa obra maquiavélica; não vale «ganhar a vida», esquecendo as consequências e o contexto daquilo que se faz.

Aqui, entra o medo, como ingrediente fundamental da desculpa colectiva. Para evitar algo desagradável, muitos prestam-se a torcer ligeiramente a realidade e a justiça. Parece-lhes um ajuste sem importância, ainda que a Guerra tenha mostrado que a multidão dos pequenos desvios impõe tiranias e industrializa o mal. As pequenas cobardias produzem estragos.

Foi neste contexto, no final da Guerra, que nasceu o desejo, largamente partilhado pela humanidade, de proclamar a dignidade da pessoa humana e enunciar as correspondentes exigências éticas. Até então, muitos classificavam a moral como um tema abstracto; em face da Guerra, entenderam que a moral é a base indispensável da vida social e da paz.

A Declaração Universal dos Direitos Humanos foi adoptada pela Assembleia Geral da ONU em 1948 com 48 votos a favor e nenhum contra. Nesse momento de pós-guerra, a pressão de todo o mundo foi tão grande que até os países comunistas, totalmente contrários a quaisquer direitos humanos, preferiram abster-se, em vez de votar contra (além dos comunistas, abstiveram-se a África do Sul e a Arábia Saudita).

Passaram-se entretanto várias gerações e a questão ética esmoreceu. A sociedade burguesa habitou-se a tornear a justiça sem a rejeitar declaradamente, voltaram as pequenas cedências justificadas pelo medo. Porque ninguém quer ser herói, todos preferem pagar um pouco e evitar problemas.

É assim que, nos nossos dias, a tirania avança em várias frentes. De um lado, a brutalidade do imperialismo russo, devorando dezenas de milhar de vidas com a inconsciência moral de quem está a jogar xadrez. Do outro lado, com a desculpa de repor a «verdade», o sectarismo ideológico que conquista poder sem que quase ninguém se oponha.

As poderosas empresas informáticas, a quem devemos comunicações gratuitas, informações gratuitas, filmes, música e divertimentos gratuitos, propuseram-se controlar as notícias «verdadeiras» e as opiniões «correctas». Há um ano, a Presidente da Comissão Europeia rejeitou este arbítrio e declarou que os serviços informáticos disponibilizados ao público têm de ser abertos e transparentes. Mas, na semana passada, as grandes empresas do sector propuseram-se melhorar a «qualidade» dos artigos que circulam nas redes e dois Comissários da União Europeia vieram saudar alegremente a iniciativa!

Pequenos abusos, pequenos pretextos, pequeninos passos… A geração que viveu a Segunda Guerra Mundial teria reagido com veemência, mas hoje poucos reparam que estamos a deslizar para a tirania.

Esta semana, o Ministério Público português decidiu secundar a proposta de um Gabinete dependente da Presidência do Conselho de Ministros para que um tribunal retire duas crianças à família, para poderem ser sujeitas a aulas de educação sexual na escola. Pequenos percalços, funcionários com medo, pequenas transigências, evitar problemas. Um dia, volta o horror que serviu de inspiração à Declaração Universal dos Direitos Humanos.

Categorias

  • Conexão | Brasil x Portugal
  • Cultura
  • História
  • Política
  • Religião
  • Social

Colunistas

A.Manuel dos Santos

Abigail Vilanova

Adilson Constâncio

Adriano Fiaschi

Agostinho dos Santos

Alexandra Sousa Duarte

Alexandre Esteves

Ana Esteves

Ana Maria Figueiredo

Ana Tápia

Artur Pereira dos Santos

Augusto Licks

Cecília Rezende

Cláudia Neves

Conceição Amaral de Castro Ramos

Conceição Castro Ramos

Conceição Gigante

Cristina Berrucho

Cristina Viana

Editoria

Editoria GPC

Emanuel do Carmo Oliveira

Enrique Villanueva

Ernesto Lauer

Fátima Fonseca

Flora Costa

Helena Atalaia

Isabel Alexandre

Isabel Carmo Pedro

Isabel Maria Vasco Costa

João Baptista Teixeira

João Marcelino

José Maria C. da Silva...

José Rogério Licks

Julie Machado

Luís Lynce de Faria

Luísa Loureiro

Manuel Matias

Manuela Figueiredo Martins

Maria Amália Abreu Rocha

Maria Caetano Conceição

Maria de Oliveira Esteves

Maria Guimarães

Maria Helena Guerra Pratas

Maria Helena Paes

Maria Romano

Maria Susana Mexia

Maria Teresa Conceição

Mariano Romeiro

Michele Bonheur

Miguel Ataíde

Notícias

Olavo de Carvalho

Padre Aires Gameiro

Padre Paulo Ricardo

Pedro Vaz Patto

Rita Gonçalves

Rosa Ventura

Rosário Martins

Rosarita dos Santos

Sérgio Alves de Oliveira

Sergio Manzione

Sofia Guedes e Graça Varão

Suzana Maria de Jesus

Vânia Figueiredo

Vera Luza

Verónica Teodósio

Virgínia Magriço

Grupo Progresso de Comunicação | Todos os direitos reservados

Desenvolvido por I9