Uma fábula é uma história alegórica de onde se retira um ensinamento moral. Muitos desses textos vêm dos relatos mitológicos da Antiguidade, isto quer dizer, desde tempos imemoriais até a queda do Império romano do Ocidente, no século V de nossa era, quando muitos autores se dedicam a produzir obras do gênero. A alegoria que está na base da fábula corresponde ao modo de expressão ou à interpretação dos pensamentos, das ideias figuradas que não existem na realidade e, assim sendo, um mito não deixa de ser uma “mentira” – bem-intencionada, é óbvio – que queremos utilizar em uma fantasia, para criar uma coisa fabulosa e, em geral, através de versos ou prosas muito bem elaborados.
As fábulas podem ensinar-nos um preceito moral, além de nos ensinarem como escrever bem. Ressaltamos que a intenção dos fabulistas foi sempre a melhor, foi a de moralizar os costumes de seus coetâneos e de seus descendentes. Habitualmente, afirma-se que Esopo é o escritor grego a quem se atribui as primeiras fabulas importantes, entre os séculos VII e VI a.C., a seguir, destacam-se os monges hindus, chamados brâmanes, lá pelo século XIII d.C.; mais adiante, sobressaem-se os fabulistas medievais, depois, ainda, entre os séculos XV e XVI, esses contadores de histórias fantásticas continuam, prosseguem pelo século XVII e avançam até nossos dias. Entre esses autores, um deles afirma-se com tal intensidade, que muitas vezes utilizamos suas fábulas para expressar alguma situação que nos atinge até hoje. Referimo-nos a La Fontaine.
Jean de La Fontaine nasceu em 1621 e morreu em Paris, em 1695, sendo um poeta de grande renome, exatamente por suas fábulas e por seus contos, tendo escrito, igualmente, poemas diversos, peças de teatro e libretos – ou textos – de óperas, os quais invariavelmente reafirmam sua tendência moralista; além disso, ele sempre reconheceu sua inspiração nos fabulistas antigos greco-latinos e em particular em Esopo. Retornando à obra do autor francês, “As fábulas escolhidas”, escritas em versos, ou as chamadas simplesmente de “Fábulas de La Fontaine” constituem três antologias que reagrupam duzentas e quarenta e três fábulas publicadas ente 1668 e 1694; em sua maior parte, elas realizam as conversas e as situações de animais antropomorfos e contêm uma moral explícita, apresentada desde o início até o fim do poema, ou ainda, às vezes, uma moral implícita.
Neste ponto, o autor inventa uma espécie de ruptura com as tradições esópicas, evangélicas ou humanistas, transformando-as no estilo e no espírito, e propondo uma organização didática. Aí está sua grande contribuição à literatura e à própria escolaridade moral: modelo da língua francesa e de sua gramática da época, o chamado “francês clássico” é utilizado desde inícios do século XVIII d.C. como suporte aos métodos de ensino, destacando-se o jesuíta, sendo este o principal corpo de ensinamentos do país, e ainda valioso para os preceptores familiares, igualmente chegando a influenciar a escola primária do após-primeira guerra. Quem não conhece a fábula do “Corvo e da Raposa” e o que dela podemos extrair como ensinamento? O Corvo estava em um galho de árvore, ele tinha em sua boca um queijo muito cheiroso, a Raposa passou por ali, e o odor do queijo chamou-lhe a atenção; astutamente, a Raposa insistiu para que o Corvo cantasse; quando ele o fez, imediatamente, o queijo caiu de sua boca e a Raposa o pegou para ela; antes de partir, a Raposa ainda “ensinou” ao Corvo que “Aprenda que todo adulador vive às custas de quem o escuta”. Desta forma, com este final estratégico, a Raposa aproveita-se de seu espírito perspicaz para obter o queijo e, assim, inverte-se aquela relação de forças inicial; agora, o mestre da palavra é também o proprietário de sua presa.
Uma outra fábula muito famosa é “O Sapo que quer ser do tamanho do Boi”; esta é a história de um sapo que, por inveja e ciúme, incha até ficar do tamanho de um boi. Mas se ele quiser imitar demais, pagará o preço… Esta fábula critica a vaidade humana: é melhor ficar como está. Ela contém um texto cômico e seu suporte moral está no fato de que, além de um desejo, o sapo tem a aspiração real, até mesmo a ambição, de se tornar tão grande quanto o boi que ele vê. Ele só tem essa ideia em mente e decide inflar imediatamente; ele decidiu e o quer agora, mas à medida que infla, infla, infla, o sapo acabará explodindo! O cômico da fábula está na ação excessiva do sapo e no fato de que, faça o que fizer, jamais chegaria ao tamanho de um boi. Falta-lhe o raciocínio para ele compreender sua situação, absolutamente incompatível com sua obsessão; não se deixar levar pela compulsão já revela um ato de inteligência.
Finalmente, uma terceira fábula muito conhecida e igualmente relevante em sua instrução moral: “O Lobo e o Cordeiro”, na qual a moral está logo no início, a razão do mais forte é sempre a melhor. Isso significa que aquele que está certo é aquele que tem mais força física; aqui o Lobo é mais forte que o Cordeiro, e mesmo que o Cordeiro esteja certo, ele é comido pelo Lobo. O Cordeiro está bebendo água na fonte onde o Lobo também o faz; o Lobo o vê e diz que o Cordeiro não pode matar sua sede ali porque ele está sujando sua fonte; o Cordeirinho explica-lhe que ele bebe a água abaixo da fonte, o Lobo retruca que seu irmão já a contaminara, antes, o Cordeirinho afirma ser filho único, ele não tem irmão, mas isso não interessa, o Lobo determinou que matará e comerá o cordeiro, e assim o faz; não há justiça que se oponha a tal nível de maldade e de força. Há alguns versos ao final desta fábula os quais são interessantes que se atente a eles: – “Se não é você, então é seu irmão.” / Eu não tenho. / Então é um dos seus: / Porque você não me poupa muito, / Você, seus pastores e seus cães. / Disseram-me: devo me vingar. / Lá, no fundo da floresta / O Lobo pega e depois come, / Sem qualquer outra forma de julgamento.” Conclusão: como já dissemos, esta fábula é sobre o desdobramento de uma história cujo desfecho é conhecido desde seu começo. O argumento lógico e sincero do cordeiro é esmagado pela má fé do lobo e a moral inicial assume todo seu sentido. A razão do mais forte não representa a lógica do mais brilhante, mas sim os motivos finais dos poderosos que não são literalmente os melhores, e mesmo assim, triunfam sobre todos. A fábula “O Lobo e o Cordeiro” é, portanto, à época, uma denúncia do poder e da justiça defeituosa sob o reinado do rei Luís XIV.
Assim, chegamos ao término de nossa apresentação do autor Jean de La Fontaine. Ele acrescentou, igualmente, contos à coleção definitiva de fábulas de 1693; nosso autor realizou essas duas atividades simultaneamente, pois muito mais do que um laboratório para a narração lúdica de fábulas, os “Contos” também poderiam fazer parte do mesmo empreendimento, o de uma narração poética sob o signo de uma alegria sem ilusões. A obra de La Fontaine oferece a figura exemplar de uma sabedoria desiludida: ele escolhe uma produção literária que trabalha a violência frenética da realidade e ele prefere, contra a tristeza, a luz da sabedoria e o riso ao invés das lágrimas.