Que o terrorismo mantém o mundo num estado permanente de guerra não declarada, todo mundo sabe. Mas essa guerra tem ainda uma segunda peculiaridade: ela é calculada para subtrair antecipadamente das nações atacadas — EUA e Israel em primeiro lugar — toda possibilidade de defesa.
Para compreender esse fenômeno é preciso estar ciente de que um atentado terrorista nada vale sem o aproveitamento político e midiático de suas conseqüências. Estas são tão meticulosamente planejadas como o atentado mesmo, o que seria impossível se as organizações terroristas não contassem com uma ampla rede de apoio nos canais formadores da opinião pública de dentro e de fora da nação atacada.
Atendida essa condição — e nunca ela foi tão bem atendida quanto hoje –, paralisar a vítima torna-se uma operação bem simples.
Se uma nação é alvo de ataques terroristas, que é que ela pode fazer para resolver o problema?
Pode, em primeiro lugar, defender-se no seu próprio território, perseguindo os agentes locais do terrorismo.
Segundo: pode descobrir os Estados que dirigem ou apóiam a ação terrorista, e atacá-los em guerra declarada.
Terceiro: pode tentar combater seus inimigos por meio de ações tão camufladas e informais quanto as deles próprios, subsidiando grupos paramilitares de antiterrorismo, seja no seu próprio território, seja no Exterior.
Em qualquer dessas três vias, a reação pode ser obstada pela pressão da mídia e da opinião pública. A repressão local é condenada como ditadura policial e atentado aos “direitos humanos” dos possíveis suspeitos, a simples ameaça de declaração de guerra suscita uma epidemia de protestos “pela paz”, a luta clandestina é denunciada como crime por meio de inquéritos parlamentares e reportagens de escândalo, provocando crises diplomáticas e eventualmente a queda do governo.
Na guerra entre as nações e o terrorismo, todas as vantagens vão para este último. A situação é estruturalmente análoga à do confronto entre o cidadão comum e o criminoso armado. Este, já estando a priori fora da lei, tem à sua disposição os instrumentos de ação que bem deseje. Aquele é tolhido própria lei, que, habilmente manipulada, pode chegar a privá-lo de seus meios de legítima defesa e tornar-se o mais sólido baluarte em defesa do crime.
Assim também se passa na esfera do terrorismo. Burocratas, jornalistas, intelectuais, estrelas da TV e do cinema, o beautiful people na sua totalidade, são tão vitais para o bom êxito do empreendimento criminoso quanto os próprios agentes da violência física. A rede que eles formam tem hoje as dimensões de um megapoder internacional, incalculavelmente maior que o de qualquer nação. Nenhum Estado tem meios de angariar tanto apoio, na opinião pública mundial e nos organismos internacionais, quanto as organizações terroristas. Nenhum Estado pode manter, no Exterior, partidos com milhões de militantes e ONGs com milhões de colaboradores atuando em caráter permanente. Nenhum Estado pode comprar consciências a granel entre jornalistas e intelectuais de um país estrangeiro. “Nenhum” Estado? Não é bem assim. Os Estados totalitários podem, porque não têm satisfações a dar à opinião pública interna. A China pode. Cuba pode. O Iraque pode. Mas, precisamente, esses Estados estão do lado do terrorismo, em favor do qual usam de meios de ação com que um Estado democrático e constitucional não ousaria sequer sonhar.
É assim que, na mídia internacional, e em especial na de certos países mais abertos à propaganda esquerdista, como é o caso do Brasil, a dualidade de pesos e medidas no julgamento do confronto entre os terroristas e suas vítimas se torna um fator permanente e quase institucional, atuando sempre em prol dos terroristas. Estes só são condenados, quando chegam a sê-lo, durante o breve momento de impacto de suas ações espetaculares. Passado o susto, preenchida a quota de lamentações pro forma necessária para salvar as aparências, os formadores de opinião passam à segunda e decisiva fase das operações, que consiste em bloquear o revide. Se na primeira fase tudo não passou de um florescimento passageiro de verbalizações emocionais sem conseqüência prática, na segunda a ação é contínua, persistente, ordenada e racional, não se dando por concluída enquanto a nação atacada não seja induzida a abdicar de seu direito de reagir. É por isso que, há décadas, a força do terrorismo cresce ininterruptamente, ao passo que toda veleidade de resposta das vítimas esbarra cada vez mais em obstáculos psicológicos, políticos, jurídicos e culturais, seja no exterior, seja em seus próprios territórios.
O terrorismo não será vencido enquanto a rede de seus colaboradores na mídia, na intelectualidade, no show business e nos organismos internacionais não for investigada, conhecida, denunciada e desmantelada. Mas os obstáculos que se opõem a isso são ainda mais temíveis do que aqueles que vetam uma resposta direta ao terrorismo. O direito dos terroristas ao apoio unilateral é hoje quase uma cláusula pétrea da “ética” midiática mundial. No Brasil, então, nem se fala.
Ninguém vê nada de anormal ou escandaloso em que agentes de influência diretamente ligados à coordenação política do movimento comunista no continente exerçam na mídia o cargo de editores ou comentaristas políticos. Ninguém percebe sequer a diferença entre o que eles fazem e o serviço normal de um jornalista. Mas que um cidadão isolado, sem conexões organizacionais de espécie alguma, se aventure a protestar contra alguma mentira que eles digam, e será imediatamente rotulado de vendido, de agente estrangeiro, de “ponta de um iceberg” etc. etc. Isso é aliás perfeitamente lógico. Se a rede existe para criar uma dualidade de critérios em defesa do terrorismo, por que não haverá de usar dessa mesma dualidade em favor de si própria?
Texto publicado na edição de 25 de janeiro de 2003 de O Globo