Em 22 de dezembro do ano passado, O Globo já informava que, segundo os dirigentes do Fórum Social Mundial, ali só não seriam aceitos na mesa de debates “os partidos políticos de centro e de direita”.
Maria Luíza Mendonça, da “Rede Social de Justiça”, uma das organizações que promovem o encontro, foi bastante explícita nas declarações que fez ao jornal. O Fórum, disse ela, não teria por finalidade o confronto de idéias. Consolidada a unanimidade antiliberal de seus participantes, “nosso momento já é de discutir estratégias de ação”. Ação contra quem? Contra o “neoliberalismo”, portanto contra aqueles mesmos partidos de centro e de direita excluídos do debate.
O Fórum, em suma, deixou de ser apenas um dispendioso circo publicitário para tentar ser uma coordenação estratégica da esquerda internacional, o equivalente global daquilo que o Foro de São Paulo representa na escala da América Latina.
Ora, que significa tudo isso senão que se trata de um empreendimento unilateralmente, sectariamente partidário? E desde quando um governo instituído pode subsidiar empreendimentos dessa ordem sem cometer crime eleitoral?
Que as verbas do governo gaúcho ajudassem a financiar uma coisa dessas, no tempo de Olívio Dutra, já era imoral e ilegal, mas politicamente compreensível. Que o Banco do Brasil e a Petrobrás ponham nisso 800 mil dólares no instante mesmo em que o governo federal alega apertar os cintos para dar tudo aos pobres, é de uma indecência magnífica, mas estrategicamente faz sentido. Que, porém, o governo do sr. Germano Rigotto coloque as propriedades do Estado à disposição de um conluio concebido para marginalizar o próprio partido que o elegeu, eis a prova de que o centro-direita perdeu os últimos escrúpulos e até o restinho de instinto de sobrevivência que o inibia de colaborar descaradamente com aqueles que juraram destruí-lo. Quando se chega a esse ponto, já não é possível nenhuma resistência organizada à ascensão do comunismo.
O destino do Brasil está selado. Nada, exceto um milagre, pode reverter a transformação deste país na nova Meca do comunismo internacional, a terra de promissão onde se consumará, segundo a profecia de Fidel Castro, o resgate de tudo o que o movimento político mais destrutivo e mais criminoso de todos os tempos perdeu no Leste Europeu.
Mas esse milagre não acontecerá. Nunca, nos anais do maravilhoso e do divino, se registrou um milagre salvador operado em benefício daqueles que rezavam para que não acontecesse.
Aqueles mesmos que, em palavras, impugnam esse diagnóstico como exagerado se incumbem de confirmar-lhe a exatidão por meio de sua conduta. Pois, se estivessem tão tranqüilos quanto fingem estar, se não vissem dia a dia a esquerda totalitária ocupar todos os espaços e marginalizar todos os concorrentes, por que haveriam de apressar-se tanto em lhe mostrar serviço, abdicando voluntariamente do direito de lhe fazer oposição a sério e retribuindo cada nova agressão com novos afagos, cada nova expressão de desprezo com redobradas ostentações de servilismo?
Muitos contam com a esperança de que o governo petista, por inépcia, se destrua a si mesmo. Isso provavelmente vai acontecer. Mas, desmantelados o centro e a direita, quem, senão a esquerda mais radical e intolerante pode lucrar com o descrédito do presidente? Quem, senão os revolucionários explícitos e descarados, ocupará o vazio deixado pelos implícitos e camuflados?
Aqueles que apostam na autodesmoralização do petismo federal esquecem que, na estratégia clássica das revoluções comunistas, a única utilidade de um governo de transição é precisamente desmoralizar-se, ser passado para trás, abrir caminho, por meio do auto-sacrifício voluntário, aos “autênticos revolucionários”. Que, na complexidade das circunstâncias, haja necessidade de sucessivos governos de transição, cada qual desviando o fiel da balança um pouquinho mais para a esquerda, passo a passo, até o desenlace fatal, também não é novidade nenhuma. A estratégia gramsciana exige explicitamente isso, com a lentidão proposital que a caracteriza. Todos os governos desde o fim do regime militar foram, nesse sentido, regimes de transição, cada um adotando medidas pró-capitalistas que passavam como o vento, ao mesmo tempo que consolidavam mudanças duradouras cada vez mais favoráveis à esquerda na esfera política, cultural, moral, educacional etc. A política econômica de Fernando Collor de Mello passou. Mas a extinção do SNI foi definitiva. O pretenso “neoliberalismo” de FHC passou. Mas a educação marxista nas escolas continua, as indenizações para terroristas continuam, o desmantelamento das Forças Armadas continua, a tolerância para com o crime continua. E os partidos de centro e direita jamais se levantarão da sua condição de escravos da hegemonia esquerdista, a que foram reduzidos pela hábil manipulação gramsciana de um presidente que, de caso pensado, mais fiel às suas origens que às alianças de ocasião, trabalhou para a vitória do seu adversário nominal. Se Lula puxar a situação mais um pouquinho para a esquerda, pouco importa que saia desmoralizado pelo fracasso na política econômica, no combate à pobreza etc. Sua missão estará cumprida e ele terá uma consciência tão tranqüila quanto a do próprio FHC. A lógica dos governos de transição é essa mesma: quem perde ganha.
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A esta altura, não sei se o físico cubano Juan José Lopez Linares terá encontrado o êxito ou o fracasso na sua tentativa quixotesca de fazer-se ouvir no Fórum Social Mundial quanto ao caso de seu filho menor de idade, retido em Cuba pelo piedoso governo de Fidel Castro.
O que sei é que, quando as coisas chegam a esse ponto, quando o pai da vítima tem de ir diretamente ao entourage do algoz para pedir clemência, como Rigoletto entre os raptores de Gilda, é porque todos em volta que deveriam ajudá-lo o abandonaram.
Nem todos, é verdade. O Instituto Liberal do Rio Grande, que patrocina essa peregrinação de um desesperado, é seu último e único verdadeiro amigo.
Os demais, a mídia brasileira, a intelectualidade e os políticos, todos têm feito o possível para evitar que o caso Lopez Linares se transforme num novo episódio Elián Gonzales, maculando a imagem do regime fidelista, cuja preservação está acima da moral e dos direitos humanos. São sacerdotes do mal, unidos num ritual de salvação das aparências por meio do sacrifício de um inocente.
Publicado na edição de 26 de Janeiro de 2003 de Zero Hora