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Aprendizado

  • Julho 30, 2022
  • Cultura
  • João Baptista Teixeira

Me contou que estava no aeroporto, a caminho de férias curtas no nordeste, quando a esposa acusou fome e reclamou algo para comer enquanto esperavam pelo embarque. Aproximaram-se do balcão de uma lanchonete e quase caíram de costas com o preço de um pastel. Prontamente disse à companheira que aquilo era um abuso e que se recusava a ser assaltado de forma consentida. Diante do olhar de incredulidade da esposa e da demora prevista, propôs dividir um pastel. Como é melhor um pássaro na mão do que dois voando, a esposa topou e uma faca dividiu o salgado.

Brinquei, então, dizendo que sua mulher comera o “pas” e a ele coubera o “tel”. Na verdade não só o entendo, como talvez não houvesse comprado coisa alguma. Os preços em aeroportos são um descaramento, que ganhou força com os rigores da inspeção por raio-X nas esteiras do mundo inteiro. Uns e outros se sentiriam constrangidos se um funcionário descobrir que carregam um farnel na mala, sem contar que o volume líquido permitido é ínfimo.

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Seis anos mais novo que meu irmão, tive desde o berço um professor que me amava, queria o melhor pra mim, mas não dava mole. A despeito do amor fraterno, disputávamos em tudo, da bolinha de gude ao pingue-pongue, passando pelo Xadrez e demais práticas desportivas.

A emulação era constante. Na mesa economizávamos o melhor da refeição e então dizíamos mutuamente – ou traduzíamos por gestos,- “eu ainda tenho”, como no caso de ovos fritos, quando comíamos a clara e deixávamos a gema para o fim. Certo dia vacilei e meu irmão comeu a gema que com tanto esmero poupara. Fui ficando mais ligado …

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Interno em Porto Alegre, perdi a conta das vezes em que retornei a Montenegro de ônibus, debaixo de muito calor, daqueles de empapar a camisa. Tomava os tradicionais pinga-pingas: se alguém erguesse o braço na estrada – até por engano,- o ônibus parava … Assim, parcos sessenta quilômetros demandavam quase duas horas de viagem.

Para soprar a chama do tempo, lançava mão de alguns recursos, amenizando os piores momentos. Comprava um periódico e lia tudo, até necrológio. Ou pegava no sono, como nas duas vezes em que acordei na garagem da companhia de ônibus … tudo em silêncio e obviamente só restava este que vos escreve nos tantos assentos.

O terceiro recurso era antegozar a liberdade, imaginando que em minutos estaria livre, leve e solto. Este foi e segue sendo o truque de que mais lanço mão para engalanar o futuro próximo. Lembro de uma tarde em que um cidadão, mais fétido que um zorrilho, sentou-se ao meu lado. Que dureza! Não havia lugares vazios, de tal sorte que por mais de meia hora imaginei o alívio que sentiria depois daquele suplício. É recompensa que não falha e educa a vontade.

Como estudei por sete anos numa escola militar, aprimorei a técnica. Exaustivas marchas e treinamentos, seguidos de cansaço, atingiram seu ápice no final do curso de formação de reservistas. Acampamos por alguns dias no Lami, em Porto Alegre, com noites mal dormidas.  Numa delas, depois de andarmos com água pelos joelhos, encontramos o acampamento desmontado. Remontamos as barracas e me estirei, molhado. Rapidamente adormeci, seguindo a máxima segundo a qual o sono é o melhor colchão. Fomos despertados a tiros, encapuzados e transportados por caminhões a um ponto distante. Como tirara as botinas, não tive tempo de calçá-las. Cumpri o trajeto de volta com os pés descalços numa noite fria e estrelada, como é fria a noite em que recordo esta passagem, ao pé da lareira em que madeiras choram sua umidade.

Contei a história do ovo para nossa caçula e volta e meia a vejo contornando uma gema para degustá-la no final. Penso que seja um indicador seguro de que já trabalha as noções de controle, sacrifício e desfrute, compreendendo o ordenamento que os adultos exercitam vida afora e os marmanjões mimados rejeitam.

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