Michel de Montaigne é um filósofo, humanista e moralista que nasceu e morreu na região de Dordonha, no sudoeste de França, entre 1533 e 1592. Viveu no castelo que posteriormente levará seu nome, sendo ele descendente de uma abastada família de negócios de Bordeaux, não distante de sua morada. Seu bisavô adquire as terras e o título que serão herdados por seus familiares, e seus progenitores terão oito filhos, dentre os quais o primogênito Michel. Este foi favorecido por uma refinada educação caseira, durante seus primeiros quinze anos de vida, recebendo aulas de gramática, matemáticas e de latim, língua de sua corrente expressão diária.
Adolescente, ingressa no Colégio de Bordeaux, onde distingue-se por sua inteligência na prática da discussão e do duelo retórico. Após seus estudos de direito, ele torna-se conselheiro no Tribunal de sua região, onde permanece por quinze anos; casa-se em 1565, tem seis filhas, das quais somente uma sobrevive. Em 1571, Montaigne retira-se do Tribunal e passa a dedicar seu tempo à meditação criativa e à leitura de milhares de obras de sua propriedade, recolhidas em sua “biblioteca” no último andar de seu castelo – ou, como ele chamava – em seu “refúgio”.
É lá que nosso autor se retira e distancia-se das questões profissionais e familiares; nessa peça repleta de livros, ele manda gravar nas vigas de sustentação do teto algumas frases que refletem os pensamentos de grandes nomes da antiguidade greco-romana, além de frases da Sagrada Escritura, sendo que essas sentenças sobrevivem até hoje, elas foram restauradas, e se pode visitá-las tranquilamente, se assim o quisermos. Toda essa situação forma, hoje em dia, o testemunho comovente de seu pensamento humanista; Montaigne tem escrito, em destaque, em sua biblioteca, o que o poeta romano do século II a.C. , Terêncio, nos legou: “Eu sou uma pessoa, nada do que é humano me é estranho”.
Algum tempo após, Michel começa a escrever suas reflexões em forma de “Ensaios”, dos quais a primeira coletânea será publicada em dois tomos, em 1580; e pela primeira vez na literatura, um autor afirma que ele vai “mostrar-se como ele é, do modo mais simples, natural e corriqueiro, sem disfarce nem artifício: porque sou eu quem eu descrevo”. Também, nesse momento, Montaigne inventa uma forma literária nova, o ensaio; como indica o prefácio de seu primeiro volume, intitulado “Ao leitor”, os “Ensaios” não são uma autobiografia, mas sim um retrato no qual o autor libera e doa seu pensamento em movimento e suas reflexões sobre todo tipo de assuntos.
Ao todo, ele legou-nos três tomos durante sua vida: entre 1580, 1582 e 1588, e ainda houve uma edição póstuma preparada em 1590 e editada cinco anos após. Os “Ensaios”, esta obra inscreve-se no humanismo. Este é o movimento intelectual difundido na Europa durante a Renascença e inspirado na civilização greco-romana, sendo seu propósito alcançar o saber crítico e o maior conhecimento possível obtido pelas pessoas; esta busca da cultura será capaz de desenvolver as potencialidades da condição humana.
Para Montaigne, esta situação permite o entendimento da “filosofia como a ciência que nos ensina a viver”; ele compreende a filosofia como o movimento do pensamento vivo quando ela se confronta com o essencial – a morte, o amor, a amizade, a educação das crianças, a solidão, a experiência – e igualmente consigo; é, para ele, “o aprendizado da sabedoria: filosofar é viver feliz, ou o mais feliz possível”!
A partir de uma certa idade, Montaigne sofre muito de cálculos renais, e por isso decide viajar até as curas termais, nas cidades de renome nesse setor; ele parte de 1580 a 1581, acompanhado de alguns familiares, e chega à Suíça, Alemanha e finalmente Itália; durante esse périplo, ele escreve o “Diário de Viagem”, sua outra obra escrita, além dos “Ensaios”. Já em setembro de 1581, Montaigne recebe uma carta de seu rei Henrique III, informando-o de sua eleição para a prefeitura de Bordeaux; ele retorna de viagem, assume o cargo e é reeleito para o mesmo posto, em 1583.
O autor nunca deixou de escrever e, em 1582, publica seu segundo tomo dos “Ensaios”. Dotado de habilidades como político e diplomata, ele negocia habilmente entre o rei de França e os demais pares da época, e por isso ele recebe – com uma certa frequência – as mais ilustres figuras que vêm pedir-lhe conselhos. Entretanto, seus encargos e compromissos políticos não o impedem de escrever; terminado seu segundo mandato como prefeito e conselheiro, agora em 1585, o autor retoma seus textos e prepara uma nova edição dos “Ensaios” a qual ele publica em 1588, em Paris; este é o terceiro tomo de sua obra-prima. A partir de então, muito enfraquecido pela litíase, ele permanece a maior parte do tempo em sua biblioteca, onde ele prepara uma quarta edição dos “Ensaios”, a qual só será editada em 1595, após sua morte, e graças ao trabalho de colaboradores que lhe auxiliavam nos últimos momentos.
Nos dois últimos anos de sua vida, ele recebe os ofícios religiosos do dia em sua torre, na pequena capela montada para esta finalidade. Em setembro de 1592, no dia em que sente suas forças esvaindo-se, ele convoca seus parentes e vizinhos mais próximos para despedir-se. Montaigne é, sem sombra de dúvida, um pensador moderno; ele esteve muito à frente de seu tempo.
Sua divisa era “O que sei?”, a qual ele mandou gravar sobre uma medalha, em 1576; essa curta sentença significa a vontade de permanecer na dúvida para buscar a verdade, e os dois pratos estão em equilíbrio, quer dizer, é difícil julgar. Quando alguém lhe perguntava de onde ele vinha, ele usava o exemplo do filósofo grego Sócrates e dizia “eu sou do mundo”; dessa forma, ele recusa qualquer etiqueta geográfica e repele toda discriminação entre as pessoas.
Ele nunca foi exigente sobre os princípios de um rigor estrito, mas ao contrário, bem mais inclinado à tolerância entre os seres e ao respeito da diferença tanto social como religiosa. (E isso destaca-se em uma situação de “guerra de religiões”, em seu país, entre 1562 e 1598, em que católicos e protestantes se enfrentavam violentamente!)
Michel de Montaigne instalou os primeiros fundamentos do humanismo, esta corrente de pensamentos que deseja que a sociedade seja feita para servir as pessoas e não o inverso, esta filosofia que recoloca o humano no centro da reflexão e que conduz ao respeito dos outros seres humanos. Nosso Michel foi um defensor da necessidade de comunicar, de falar das angústias e das alegrias de ser uma pessoa; ele é moldado pelo espírito da justiça e da equidade, e sempre propôs o diálogo como remédio à violência e a reflexão como precedente à ação. Todo nosso apreço a Montaigne!