Foi um colega algo incomum, diferenciado. Nunca demonstrou sequer sombra de preocupação com notas, provas, trabalhos para entregar, a rotina das aulas, dos horários, essas coisas. Chegava nos horários dele, que não necessariamente, na verdade quase nunca, coincidiam com os horários da escola. Chegou ao cúmulo de, certa vez, chegar à escola lá pelo meio-dia e nos perguntar que dia seria a prova tal, quando estávamos naquele exato momento saindo dela…
Quando assistia às aulas era o mais relaxado da turma, pouco ou nada anotava, ao lado de colegas concentrados, tensos, dispostos a varar dias e noites para entender o que estava sendo exposto. Parece que tinha certeza de que nada iria impedi-lo de terminar o curso, apesar dos descuidos, das faltas, dos esquecimentos, da carga horária de festas e clubes ser maior que a dos estudos. Imagino que acreditava que todo aquele otimismo acabaria por se alastrar para o papel das provas e dos trabalhos, ou influenciaria o destino da sua caneta, ou mesmo o julgamento dos professores. Formávamos grupos de trabalho com ele e já sabíamos que suas contribuições seriam reduzidíssimas, mas as explicações e escusas compensavam a bronca. No fim não conseguíamos ficar bravos.
Mas foi também um colega incomum, diferenciado, no trato, no relacionamento com todos da turma. Sempre amigo, positivo, interessado, interessante, sempre a trazer um novo caso, uma novidade (jamais relacionadas com escola, claro). Uma conversa com ele, mesmo curta, era sempre agradável, espirituosa, elevava a moral, um contraponto ao ambiente carregado de uma escola de engenharia. Fazia questão de valorizar a todos e sabia avaliar pessoas e dar atenção a qualquer um. O mau humor raras vezes fez parte do seu repertório. Valorizava e defendia seus amigos, sempre.
Pois registre-se que terminou seu curso, conquistou uma vaga numa multinacional de peso e cumpriu uma brilhante carreira. Seu método inusitado funcionou, pelo menos com ele. Sempre dando atenção às pessoas, extraindo o que cada um tinha de melhor, sempre confiante e atencioso. Sempre gentil ao extremo.
Tive a felicidade de participar do grupo de amigos mais próximos que ele formou. Foi o grande responsável por mantermos por mais de 40 anos uma relação de amizade e confiança sólida em nosso pequeno grupo. Não consegui, não conseguiria jamais, ser tão gentil com ele como ele foi comigo e com nossa “turma”. Agora não tenho mais como retribuir tanta gentileza, tanta amizade. Nem saberia enfileirar desculpas suaves para justificar minha falha. Essa especialidade era dele, não minha. Depois de mais de 20 anos de luta contra uma doença cruelmente progressiva, seu otimismo foi afinal vencido. Demorei a fixar no papel meus sentimentos e minha homenagem, pois faltaram palavras. Meu amigo merecia mais. Algo que só ele poderia dar.