Skip to content

O mico Riquimu

  • Setembro 8, 2022
  • Cultura
  • José Rogério Licks

Para dormir procuramos a delegacia, na rua da Tarrafa, ao lado do bar do Delcio, o delegado nos cedeu um canto.    Quando amanheceu voltamos para a estrada, muito poeirenta. Paramos no começo da ponte sobre o rio Grajaú. O sol estava belíssimo e as águas corriam tagarelas sobre musgos e pedras, lavadeiras também tagarelavam, batendo suas roupas. Eu vinha com muito pó no corpo e nos cabelos, não resisti. Deixei a mochila e tudo mais na ponte, desci para as águas e pedi um pedaço de sabão a uma lavadeira, que estava de maiô. Depois subi e fiquei secando no sol, meus cupinchas já tinham seguido adiante.

Cruzei a ponte e vi um cidadão com uma vassoura, varrendo umas pedrinhas ou tirando o pó da estrada de terra. Enquanto varria, cantava uma música do Zé Keti que eu sabia e cantei junto, me aproximando. Pouco depois estávamos num papo, com ele me aconselhando a ficar por ali trabalhando na construção da estrada. Que isso de malandragem sem dinheiro não pega não. É o Tom Mix dos Santos, carioca. Como todo o pessoal que encontramos no caminho, ele é empregado da Cia. de Engenharia de Construção (1º Grupamento do Exército). Estão trabalhando na estrada BR 226 e ramificações. Posso conseguir um trabalho como apontador, me garantiu.

– Mas Tom Mix, porque você fica tirando o pó da estrada de terra, é como tirar água do mar com uma caneca, não acha?

– Você tem que entender, no momento não há muito o que fazer aqui. Mas eu sou o único homem negro no grupo, mais em cima carioca. Se eu ficar de bobeira, balançando na rede, daqui a pouco tem um otário desses aí me dedurando por vadiagem, tá de dentro…

Conversei bastante com o Tom Mix, mas depois fui na casa do sr. Costa, telegrafista da Cia., seguindo o conselho de uma lavadeira. Ronaldo e Danilo já estavam lá, é uma casa de barro, como as outras. Mas é a maior de todas, vende bebidas, coisa e tal. Nos convidaram para comer, depois Danilo foi dormir e o Ronaldo foi procurar carona no centro de Grajaú. Eu fiquei tocando e bebendo com a galera do Costa.

A tarde foi passando. Lá fora o Tom Mix estava varrendo o pó da estrada. O sr. Costa estava lidando com os telégrafos. Tinha um cara pagando as bebidas. Ao meu lado um rapaz vindo de Teresina para trabalhar de escrevente-datilógrafo se sacudia de frio em uma rede, tinha pego malária. Há duas semanas já está na rede na casa do seu Costa, bebendo as poções de chifre queimado e as garrafadas que a mulher do Costa lhe ministra. Ela é do Xangô, benzedeira e tal. No outro dia mataram uma preguiça e ela recolheu pelos, olhos, dentes e as garras, para fazer trabalhinhos.

Pela noitinha apareceu o Jair com a mulher e o irmão. E um macaco-prego no ombro. Eles andavam de mochila por aí,  e se empregaram na Cia. É uma aventura e tanto a construção de uma estrada assim, nos confins. Vem gente de tudo que é parte. Aí o pessoal fica arranchado em casas de barro que erguem rapidamente, perto do trecho que estão construindo. Concluído esse trecho, a Cia. avança para construir o pedaço seguinte e todo o pessoal se muda e vai construir novos ranchos de barro mais adiante.

Alguém caçou um ouriço-cacheiro e começaram a preparar uma janta em casa do seu Costa. O n úmero de pessoas havia aumentado e trouxeram whisky e rum, não sei de onde descolaram. Jantamos e saímos, num bando de oito marmanjos, pra fazer serenata na pracinha do lugar. Mas o que saiu foi uma zoeira infernal, uma bagunça em que ninguém se entendia e todos bebiam. Acabamos indo para um lugar noturno, eu fiquei num canto tocando violão. De repente no salão de dança alguém deu um tapa na lamparina e ficou tudo escuro. E foi aquela correria e gritaria. Mas não aconteceu nada de mais. Tom Mix e eu saímos, fomos embora.

Era uma noite linda, parecia que estávamos em um imenso presépio e as estrelas eram bolas de pinheirinho. Paramos em uma praça deserta e ficamos cantando. Depois fomos dormir no rancho de barro do Tom Mix. E veio outra manhã. E estávamos comendo bolachas no rancho de um outro pessoal, quando aparece o Jair, pedindo para ir tocar violão na casa dele. Fui lá, tinha uma pernambucana charmosa, ficou me dando beijinhos, coisa e tal.

O mico se chama Riquimu e é muito esperto. Jair mostrou um coco, ele  pegou e foi abrir, batendo numa pedra. Bom, estou contando tudo por cima, na corrida. Não há tempo para mais detalhes. Mas eu estava meio enminhocado, como que cheirando uma armação. E Jair estava preparando um prato especial para o almoço. Foi quando apareceu o Tom Mix e me chamou lá fora.

– Bicho, não quero estragar sua festa. Mas tão fofocando lá na cidade, que aqui ninguém mais quer trabalhar. Todo mundo só quer beber e cair na farra, desde que você chegou. Bicho, te cuida, eu conheço essa galera. A qualquer momento o capitão Arlindo deve pintar por aqui, ele tá desconfiado de vocês. Vai querer te interrogar.

E Tom Mix me jogou um olhar enviesado. Eu tinha escutado tudo com atenção, ao mesmo tempo que observava um caminhão que foi chegando e encostando.

– Segura aí Tom -, falei levantando. E fui ao encontro do motorista, que tinha acabado de descer da cabine. Ele me avisou que só ia demorar ali alguns minutos. Fui voando buscar a mochila no rancho, me despedi do Tom rapidamente e me acomodei na carroceria do caminhão, sobre a carga de sacos de arroz.

Brincadeira… Mas não tinha ideia de onde poderiam estar Danilo e Ronaldo.

Categorias

  • Conexão | Brasil x Portugal
  • Cultura
  • História
  • Política
  • Religião
  • Social

Colunistas

A.Manuel dos Santos

Abigail Vilanova

Adilson Constâncio

Adriano Fiaschi

Agostinho dos Santos

Alexandra Sousa Duarte

Alexandre Esteves

Ana Esteves

Ana Maria Figueiredo

Ana Tápia

Artur Pereira dos Santos

Augusto Licks

Cecília Rezende

Cláudia Neves

Conceição Amaral de Castro Ramos

Conceição Castro Ramos

Conceição Gigante

Cristina Berrucho

Cristina Viana

Editoria

Editoria GPC

Emanuel do Carmo Oliveira

Enrique Villanueva

Ernesto Lauer

Fátima Fonseca

Flora Costa

Helena Atalaia

Isabel Alexandre

Isabel Carmo Pedro

Isabel Maria Vasco Costa

João Baptista Teixeira

João Marcelino

José Maria C. da Silva...

José Rogério Licks

Julie Machado

Luís Lynce de Faria

Luísa Loureiro

Manuel Matias

Manuela Figueiredo Martins

Maria Amália Abreu Rocha

Maria Caetano Conceição

Maria de Oliveira Esteves

Maria Guimarães

Maria Helena Guerra Pratas

Maria Helena Paes

Maria Romano

Maria Susana Mexia

Maria Teresa Conceição

Mariano Romeiro

Michele Bonheur

Miguel Ataíde

Notícias

Olavo de Carvalho

Padre Aires Gameiro

Padre Paulo Ricardo

Pedro Vaz Patto

Rita Gonçalves

Rosa Ventura

Rosário Martins

Rosarita dos Santos

Sérgio Alves de Oliveira

Sergio Manzione

Sofia Guedes e Graça Varão

Suzana Maria de Jesus

Vânia Figueiredo

Vera Luza

Verónica Teodósio

Virgínia Magriço

Grupo Progresso de Comunicação | Todos os direitos reservados

Desenvolvido por I9