Das ruas perpendiculares ao rio, até o final dos anos 50, praticamente só a Ramiro Barcelos estava aberta para mais acima, em direção aos Pinheiros. Na Capitão Cruz situava-se o Campo do Operário, um pouco acima da Santos Dumont (onde depois foram construídas casas pelo seu Lerch, pai da Ingrid). As ruas Cap. Porfírio, João Pessoa e a Cel. Antônio Ignácio acabavam nos trilhos da Viação Férrea. As pessoas que morava no atual Bairro Santo Antônio até a Esquina da Sorte e mais além, para virem ao Centro tinham que se deslocar pela Ramiro. Por isso era uma rua muito movimentada.
Os trabalhadores do antigo Frigorífico Renner, pela manhã, bastante cedo, desciam a Ramiro, caminhando e batendo os tamancos com força no passeio público. Naquele tempo usava-se muito tamanco e os funcionários da fábrica do Renner caminhavam com tais calçados, quase à unanimidade. As botas de borracha chegaram mais tarde; por isso, o tamanco era a melhor opção para enfrentar o piso úmido da fábrica.
O barulho que faziam, batendo os tamancos na calçada de pedra, era grande e acordava o pessoal do centro. Normalmente os casais dormiam em quartos contíguos à calçada. Os moradores se reuniram e foram falar com o seu Gaspar. Por sua determinação e conta, as cepas dos tamancos foram revestidas com solado de pneu e o barulho acabou.
Na Ramiro, da sua esquina com a Santos Dumont até o Hotel Montenegro, as casas comerciais situadas ao seu correr, eram em número bastante reduzido. Na sua quase unanimidade e pelos dois lados a rua abrigava residências familiares. Por isso havia um número muito grande de guris e gurias das famílias que ali moravam.
No passeio público algumas soluções de continuidade, restando um chão batido muito regular e compacto. Nestes espaços os guris jogavam bolinha, principalmente triângulo e boco. Nas calçadas o jogo de bola corria frouxo, de preferência golo-a-golo e cabeça. As meninas jogavam sapata, faziam roda e passavam anel. A presença da juventude acontecia mais para o fim da tarde. Praticamente todos estudavam no São João ou no Colégio das Freiras e as aulas aconteciam em dois períodos. O da tarde acabava às 3h30min e, depois do café, tinha que se fazer os temas para casa.
Depois das 18 horas a rua ficava florida de crianças e adolescentes, especialmente em tempo quente, quando se brincada de esconder. Uns 10 ou mais guris espalhavam-se pela rua, subindo em arvores (havia muitos cinamomos nas áreas fronteiras das casas), escondendo-se atrás dos muros e muitos atravessando atalhos e saindo nas outras ruas adjacentes.
Aos sábados, no verão, acontecia uma brincadeira muito sapeca – era uma sacanagem contra os transeuntes que vinham para o centro. Muitos vestidos com fatiota de linho branco (era o máximo em matéria de elegância masculina). Já escuro, enchia-se uma latinha com água, depois amarrada com um cordão fino. Os postes eram poucos e a luminosidade vinda de lâmpadas comuns. Certos lugares eram bastante escuros e ali a latinha era colocada sobre o muro; esticava-se o cordão até quase alcançar a sarjeta, fixando-o a uma pedra.
Quando o cidadão descia ao centro, passando pelo local, batia no fio esticado e a latinha emborcava, entornando a água sobre si. Imaginem a gritaria, tanto do infeliz passante, quanto da gurizada. Imediatamente todos desapareciam e o coitado ficava a xingar e rogar pragas. Mas não sujava a roupa, somente molhava um pouco, quando atingido.
Saudades do tempo de criança, da inocência estampada em cada rosto, refletindo a alegria da brincadeira; saudades do vento a assobiar, dos banhos de chuva, a correr pelas ruas, sem nenhum perigo iminente. Retornar não poderia, simplesmente a mente a recordar as brincadeiras, os nomes, a vizinhança, em suas cadeiras de palha, sentadas à fresca defronte da casa.
Nada foi perdido; ao contrário tudo ficou, indelevelmente marcado em cada um de nós. Sinto o tempo que passou; sinto a saudade de um momento; o olhar fugaz, o crescimento vertiginoso. Somos atores num palco em nosso imaginário; somos lembrança, saudade, realidade ao parar para refletir, agora ao crepúsculo…