Florbela Espanca
1894 – 1930
Batizada como Flor Bela Lobo, autonomeada Florbela d’Alma da Conceição Espanca, quando muito jovem, e finalmente reconhecida como poetisa – ou poeta – Florbela Espanca! Aí alcançamos uma das maiores autoras da literatura portuguesa moderna, tendo sido especialmente celebrada por seus sonetos. Sua vida de apenas trinta e seis anos foi plena, embora tumultuosa, inquieta e cheia de sofrimentos íntimos, os quais a autora soube transformar em poesia da mais alta qualidade, carregada de questões existenciais, de feminilidade e de panteísmo.
Nasceu em Vila Viçosa, Portugal, na fronteira com a Estremadura, em Espanha, lá conheceu as primeiras letras e com sete anos começou a escrever poemas. Em 1908, ficou órfã de mãe e passou a ser criada pelo pai, João Maria Espanca, pela madrasta e pelo meio-irmão, Apeles. Mais adiante, frequentou o Liceu de Évora, sendo esta cidade o quinto município mais extenso de Portugal; foi uma entre muito poucas meninas a frequentarem esse nível de escolaridade.
Durante seus estudos no Liceu, Espanca requisitou diversos livros na Biblioteca Pública de Évora, aproveitando então para ler obras de Balzac, Dumas, Camilo Castelo Branco, Guerra Junqueiro, Almeida Garrett. Entre suas primeiras composições, destacam-se “A Vida e a Morte”, em homenagem ao irmão Apeles, e um poema escrito por ocasião do aniversário do pai, “No dia d’anos”, e ainda, em 1907, Florbela escreve seu primeiro conto, “Mamã!” No ano seguinte, falece sua mãe, Antónia, com apenas vinte e nove anos, vítima de distúrbio nervoso.
Coincidentemente e talvez devido à herança familiar, a autora ainda jovem começa a sentir despertarem os primeiros sintomas de neurose. Nos anos que seguem, sempre se dedicou à escrita, e a partir de 1915, inicia-se como jornalista em “Modas & Bordados”, um suplemento de “O Século de Lisboa”, em “Notícias de Évora” e em “A Voz Pública”. Em 1917, completa seu Curso de Letras e matricula-se na Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa; foi uma das catorze mulheres entre trezentos e quarenta e sete alunos inscritos; aí teve como colegas de curso outros brilhantes escritores e poetas, o que possibilitou que ampliasse o debate de ideias e a produção de poemas. Entretanto, um ano depois, em 1918, ela necessita recorrer ao repouso por algum tempo, por apresentar sinais sérios de neurose.
Em 1919, publica-se sua primeira obra, “Livro de Mágoas”, um livro de sonetos; a tiragem de duzentos exemplares esgotou-se rapidamente. Avançamos no tempo e, em 1930, Espanca começa a escrever seu “Diário do Último Ano”, publicado postumamente, só em 1981. Ainda em 1930, a poetisa colaborou também no “Portugal feminino de Lisboa”, na revista “Civilização” e no “Primeiro de Janeiro”, estes do Porto. Já em 1931, destaca-se a publicação de sua obra “Charneca em Flor”, um volume de poemas igualmente editado após sua morte; a primeira edição é composta por cinquenta e seis sonetos, enquanto a segunda, do mesmo ano, contém mais vinte e oito peças.
Espanca tentou o suicídio por duas vezes – em outubro e novembro de 1930 – na véspera da publicação da sua obra-prima, “Charneca em Flor”. Após o diagnóstico de um edema pulmonar, ela perdeu definitivamente a vontade de viver, e não resistiu à terceira tentativa do suicídio. Faleceu no dia de seu 36.º aniversário, em dezembro de 1930; a causa da morte foi uma “overdose” de barbitúricos”, sendo que alguns dias antes escrevera o seguinte: “… Não tenhas medo, não! Tranquilamente, // Como adormece a noite pelo outono, // Fecha os olhos, simples, docemente, // Como à tarde uma pomba que tem sono…”
Em 1949, a Câmara Municipal de Lisboa homenageia a poetisa, dando seu nome a uma rua junto à Avenida da Igreja, no centro da capital portuguesa. Vamos buscar um pouco da poesia de Florbela em alguns de seus maiores poemas.
Em “Fanatismo”, temos as seguintes estrofes: “Minh’alma, de sonhar-te, anda perdida / Meus olhos andam cegos de te ver! / Não és sequer a razão do meu viver, / Pois que tu és já toda a minha vida! / (…) / “Tudo no mundo é frágil, tudo passa…” / Quando me dizem isto, toda a graça / Duma boca divina fala em mim! / E, olhos postos em ti, digo de rastros: / “Ah! Podem voar mundos, morrer astros, / Que tu és como Deus: Princípio e Fim!…”.
Nestes versos, a autora se declara profundamente apaixonada, o próprio título do poema alude para esse afeto cego, excessivo, arrebatador; aqui ela reconhece que no mundo há muitos que dizem que os sentimentos são transitórios e perecíveis, mas sublinha que o seu amor, ao contrário do que afirmam, é atemporal. Este soneto composto por Florbela Espanca no princípio do século XIX continua sendo contemporâneo e falando de perto a muitos de nós; até os dias de hoje, estando num contexto completamente distinto do da escritora, nos sentimos retratados pelos versos quando nos encontramos numa situação de profundo enamoramento.
Um segundo poema da autora, “Torre de névoa”: Subi ao alto, à minha Torre esguia, / (…) / E pus-me, comovida, a conversar / Com os poetas mortos, todo o dia. / Contei-lhes os meus sonhos, a alegria / Dos versos que são meus, do meu sonhar, / E todos os poetas, a chorar, / Responderam-me então: “Que fantasia, / (…) / Nós também / Tivemos ilusões, como ninguém, / E tudo nos fugiu, tudo morreu!…” / Calaram-se os poetas, tristemente… / E é desde então que eu choro amargamente / Na minha Torre esguia junto ao Céu!…”
A autora – ou – o eu-lírico aqui se apresenta como uma poeta que tem consciência de pertencer a uma classe que já há muito a antecede e, por isso, vai consultar os antigos escritores, os mortos, sobre seus desejos e planos. Seus precursores, por sua vez, identificam- se com os ideais da jovem, mas mostram o futuro, o que aconteceu com aqueles projetos que tinham.
No fim do soneto o eu-lírico se revela afinal como um sujeito solitário, amargo, que vive abandonado e incompreendido numa torre simbólica.
Finalmente, um terceiro poema em que Florbela nos indica os “Desejos vãos”: “Eu queria ser o Mar de altivo porte / Que ri e canta, a vastidão imensa! / Eu queria ser a pedra que não pensa, / A pedra do caminho, rude e forte! / Eu queria ser o sol, a luz imensa, / (…) / Eu queria ser a árvore tosca e densa / Que ri do mundo vão e até da morte! / Mas o Mar também chora de tristeza… / As Árvores também, como quem reza, / Abrem aos Céus os braços, como um crente! / E o Sol altivo e forte, ao fim de um dia, / Tem lágrimas de sangue na agonia! / E as Pedras… essas… pisa-as toda a gente!…”.
A presença do mar é muito forte não só na lírica de Florbela Espanca como também na de uma série de escritores portugueses; em “Desejos vãos” ele, o mar, figura como um ponto de partida e elemento central, norteando o poema; aqui o eu-lírico aspira o impossível, a saber, uma liberdade e uma presença que é comparada aos elementos da natureza; o panteísmo da autora permite esta crença de que absolutamente tudo e todos compõem um Deus abrangente, seja o universo, a natureza ou os sentimentos dos humanos.
Quando Florbela fala da condição que deseja alcançar – inatingível -, o sujeito poético faz uso da comparação simbólica com o mar, as pedras, as árvores e o sol. E nós, simples mortais, nos apegamos a esta poeta ímpar para acalentar-nos em nossas ilusões e, especialmente, alimentar nosso espírito com beleza e com sabedoria!