Lampiãozinho a querosene inesquecível
Que aos meus pais iluminou na flor da idade
Hoje apagado sem pavio sem combustível
Mantém acesa a chama viva da saudade (música de Zé do Cedro e João do Pinho).
Pois, lá vamos nós, novamente, em devaneio, retroceder no tempo… Sou do tempo do lampião a querosene, do candeeiro e dos pequenos castiçais e velas a iluminarem o escuro da noite. Quantas noites estudei ao lume de uma vela, parcamente iluminando o livro à frente? Tempo de dormir cedo e levantar aos albores de um novo dia. Hoje, o lampião é peça de antiquário, sem combustível e pavio. Um simples enfeite.
Até a data de 22 de maio de 1938, o fornecimento de energia elétrica era muito deficitário, especialmente quanto à iluminação pública – por volta de 300 lâmpadas em toda a cidade. Na data aprazada, o Intendente Carlos Gustavo Jahn inaugurou a nova usina, no local onde, até então, situava-se a Praça Borges de Medeiros. Em 1º de novembro de 1955, na administração Germano Henke, a CEEE encampou o serviço, incluindo o prédio da Usina Maurício Cardoso. No final dos anos 90 do século passado, o prédio – totalmente depredado – retornou ao Município e foi completamente reformado – hoje Câmara Municipal de Vereadores.
Mesmo com a nova usina, o fornecimento de energia deixava a desejar (fornecíamos energia elétrica para S.S. do Caí). A deficiência determinava constantemente falta de energia e as lâmpadas não acendiam. Recorria-se ao lampião, que enegrecia as paredes. Todos os armazéns vendiam querosene, envazada em grandes latas. Nelas eram colocados sifões e o líquido bombeado para garrafas que o comprador levava. Arrolhadas, as garrafas eram guardadas, em casa, para uso.
Eu tinha uns 6 anos de idade, ao que lembre, servindo de mandalete para pequenas tarefas. Quando faltava querosene, a senhora minha mãe anunciava: Nestinho! Hole die flash und geht zum Natália kerose kaufen. Schreibe im buch”. A língua que falávamos era uma mistura do alemão husrück com o gramatical; significava: Pega a garrafa e vai na Natália comprar querosene. Assenta no caderno” (dona Natália, proprietária do Armazém Vogt).
Sou da data do fogão à lenha; do trabalho que tínhamos para carregar a lenha, largada na calçada, até aos fundos da casa, onde era empilhada. Para acender o fogo, usava-se um pedaço de tijolo maciço, raspado na laje, até uma forma cilíndrica. Depois esta peça era presa a um cabo, feito de arame grosso, colocada em uma latinha, cheia de querosene, para absorver e tornar-se inflável. Aceso, produzia chama e era levado à fornalha do fogão, inflamando a lenha e os gravetos.
Sou do tempo em que toda a roupa de cama e de uso pessoal eram lavadas a mão, no tanque. Quem fazia isso era a mãe, pois não tinha empregada. Nós ajudávamos a dispor a roupa, lavada com anil, em um espaço gramado, para quarar (ficar exposta ao sol, para branquear). Depois a roupa era recolhida, passada em água limpa e posta a sacar no varal. Ainda sou do tempo em que a roupa seca era passada com ferro alimentado com as brasas do fogão. Vez por outra tinha que se soprar nas ranhuras abertas no ferro para avivar as brasas.
Sou daquele tempo em que o calor causticante era minimizado com o “sentar-se a fresca”, à calçada fronteira da casa de moradia. Cadeiras de palha eram dispostas e os moradores sentavam, escorando-as na parede. Conversavam com os passantes; era tempo em que todos se conheciam. Quando o calor amainava, recolhiam-se para dormir.
Deste devaneio mental, pelas brumas que envolvem a existência passada, tudo parece maravilhoso. Subidamente desperto e descortino uma realidade diferente. Aos meus olhos, o lume de uma vela já não basta! Cadeira de palha dá dor nas costas; ninguém mais senta à frente; as casas são muradas e gradeadas; o medo nos acompanha pari passu. Só resta a saudade.