Luiz Vaz de Camões é um poeta nacional de Portugal, considerado como uma das maiores figuras da literatura de língua portuguesa de todos os tempos e um dos grandes poetas da tradição ocidental; ele viveu no século XVI, aproximadamente entre os anos de 1524 e 1580; nasceu em Lisboa, quando jovem, estudou num convento e mais tarde se tornou professor de história, geografia e literatura. O poeta chegou a entrar no curso de Teologia, mas acabou por desistir da empreitada e por fim, ingressou no curso de Filosofia.
Camões percorreu várias terras, teve uma vida atribulada, fez a guerra e assistiu às conquistas marítimas do grande império português na aquisição de colônias; após sua atuação militar, ele regressou a Lisboa, onde voltou a ter sua vida boêmia e com complicações; mas foi durante essa nova – e definitiva temporada na capital portuguesa – que o autor redigiu o clássico poema épico “Os Lusíadas”, considerado como a maior obra épica da língua portuguesa. Em paralelo, seguiu escrevendo seus versos, muitos deles dedicados à lírica amorosa.
De todas essas suas atividades, destacam-se as que nos interessam como autor; ele dedicou principalmente sua capacidade de escrita em descobrir quais sentimentos nos fazem o bem e quais nos fazem o mal, ou ainda, será que ambos nos atormentam e ao mesmo tempo nos alegram? É a questão que Camões nos propõe, e é este o caminho que vamos percorrer, daqui em diante. Referimo-nos a um poema que se distingue entre os mais consagrados em qualquer idioma, trata-se de “Amor é fogo que arde sem se ver”; é um soneto publicado na segunda edição da obra “Rimas”, lançada postumamente em 1598.
Primeiramente, o que é um “soneto”? Trata-se de uma forma poética fixa, a qual consiste em quatro estrofes – ou divisões: as duas primeiras com quatro versos – ou quartetos – e as últimas com três versos – ou tercetos. A estrutura costuma ser a mesma: começa com a apresentação de um tema, que passa a ser desenvolvido e, geralmente no último verso, contém uma conclusão que esclarece a questão. Além disso e igualmente, o autor segue a fórmula do soneto clássico: é uma composição decassílaba – contém dez sílabas poéticas em cada estrofe. Vamos ler, a seguir:
“Amor é fogo que arde sem se ver, / é ferida que dói, e não se sente; / é um contentamento descontente, / é dor que desatina sem doer. // É um não querer mais que bem querer; / é um andar / solitário entre a gente; / é nunca contentar-se de contente; / é um cuidar que ganha em se perder. / É querer estar preso por vontade; / é servir a quem vence, o vencedor; / é ter com quem nos mata, lealdade. // Mas como causar pode seu favor / nos corações humanos amizade, / se tão contrário a si é o mesmo Amor”.
Camões desenvolve seu poema de amor através da apresentação de ideias opostas: a dor se opõe ao não sentir, e o contentamento se mostra descontente. O poeta usa esse recurso de aproximação de coisas que parecem distantes para explicar um conceito tão complexo como o amor. Por meio da aproximação dos opostos, o poeta nos traz uma série de afirmações sobre o amor que parecem contraditórias, mas que são inerentes à própria natureza do sentimento amoroso – “… é dor … sem doer…”. Esse recurso linguístico é chamado antítese – ou negação da etapa anterior.
Quanto a nós, modestos leitores, prosseguimos: outro ponto importante é que o poema do mestre português é baseado num raciocínio lógico que leva a uma conclusão; essa argumentação fundamentada na apresentação de afirmações e oposições e que leva a uma consequência lógica é chamada silogismo – ou forma de chegar a uma aceitação geral e final. No poema de Camões, as afirmações são feitas nos dois quartetos e no primeiro terceto, sendo a última estrofe a conclusão do silogismo, como podemos observar:
“Mas como causar pode seu favor / nos corações humanos amizade, / se tão contrário a si é o mesmo Amor”!
Não há escapatória: ao apaixonar-se, o enamorado desfruta de seu amor, mas – ou e – se prepara para a possível dor do desamor. Voltamos à estrutura de composição desse texto: o formato do soneto clássico e sua sonoridade estão diretamente relacionados ao conteúdo do poema; nos onze primeiros versos – ou linhas – temos o desenvolvimento de um raciocínio e observamos uma sonoridade próxima por conta das rimas e das pausas.
O poeta usa do pensamento lógico para expor um sentimento humano muito profundo e complexo, o amor. O tema do amor é muito caro à poesia, explorado há séculos por diversos escritores, e um dos pontos mais abordados sobre o amor é o que se refere à relação de lealdade daquele que ama e à expectativa de reciprocidade por parte de seu amado.
Desde o século XIII, as cantigas medievais versavam constantemente sobre o sentimento de “servidão” – estado de dependência daquele que ama, inteiramente submetido ao amor da outra pessoa amada. O autor não deixa de colocá-lo em seu poema, usando sempre a antítese para construir o argumento:
“É querer estar preso por vontade; / é servir a quem vence, o vencedor; / é ter com quem nos mata, lealdade.”
Camões exprime a dualidade desse sentimento de uma forma exemplar, alcançando o cerne de um dos sentimentos mais complexos que existe, aquele que nos provoca tanto prazer e sofrimento ao mesmo tempo. O poema se torna atemporal enquanto o tema abordado é universal e as figuras usadas para desenvolvê-lo são complexas e belas. O amor, assim como tudo na vida, é um jogo de dualidades, de ambiguidades.
Não existe sentimento que possa ser explicado de forma clara e simples. Porém, alguns poetas conseguem exprimir de forma ímpar sentimentos tão complexos como o amor. Camões é um desses poetas. Seu soneto é um exemplo do uso fino da palavra e da criação de figuras e imagens, o que nos ajuda a entender um pouco de nós mesmos. O bardo português é mais um poeta a cantar o amor e, destacadamente, é um criador de versos atemporais.
Segundo o mesmo, o ser amado “(…) está no pensamento como ideia; / [E] o vivo e puro amor de que sou feito, / Como matéria simples busca a forma.” Este trecho de um outro seu poema, em que “Transforma-se o amador na cousa amada”, confirma perfeitamente o anseio do autor em alcançar a composição dos diversos elementos estruturados numa obra de arte.
Felizmente para nós, seus leitores, é dessa forma que o poeta contribui para nossa alegria, sentimento do qual falamos bem ao início de nosso texto. Torno mais claro: a poesia de Camões nos proporciona momentos de muita felicidade, ela produz, em nós, um sentimento de leveza e, segundo os gregos, com esse estado, teremos ânimo (alma) para superar momentos que por acaso não sejam leves.
Salve os artistas e muito particularmente os poetas como Camões, o qual, no meio das discrepâncias da vida, quando só ocorrem negações e quando tudo é sombrio, sua racionalidade prepara a superação sintética de tudo e ele nos alcança a luz de um acontecimento feliz!