Fico abismado com o que anda acontecendo após a invasão russa da Ucrânia, em fevereiro de 2022. Por um lado os russos jogaram o direito internacional e a teoria geral do estado na lata de lixo da história da humanidade,repetindo episódios históricos que no passado mancharam e envergonharam a humanidade. E apesar de integrar o Conselho de Segurança Permanente da ONU,a Rússia infringiu grotescamente a Carta das Nações Unidas,desrespeitando o direito de não-intervenção e do princípio de autodeterminação dos povos.
As forças armadas russas,a mando de Vladimir Putin,simplesmente resolveram fazer um “referendo” sobre o direito de “outros”,sem ter esse direito, por sua conta, em quatro regiões da Ucrânia (Donetsk, Luhansk,Kherson e Zaporizhzia), representando 15% do território do país,colocando os seus soldados a invadir as moradias ucranianas e colher na “marra” os seus votos, a favor, evidentemente, da sua anexação pela Rússia.
Para começo de conversa, além da nulidade desse referendo por vício de consentimento para obtenção dos votos favoráveis, mediante nítida COAÇÃO, tecnicamente esse procedimento não poderia ter sido um “referendo”,e sim,quando muito, um “plebiscito”, cuja diferença reside no fato do primeiro (referendo) se resumir em homologar, ratificar, uma decisão juridicamente válida e tomada por quem de direito, e o segundo, o “plebiscito”, por não depender de nenhuma decisão anterior ,constitui-se ele próprio na pergunta e na decisão . Nesse sentido, “quem” decidiu anexar parte da Ucrânia à Rússia, para após submetê-la a referendo, não foi um poder constitucional ucraniano, juridicamente autorizado a tomar essa decisão,e sim uma potência estrangeira invasora, a Rússia,sem qualquer poder para fazê-lo.
Jamais poderia uma força “externa” determinar a realização de qualquer referendo “interno”.
Por outro lado, a figura dos “separatistas” ucranianos “pró-russia” é algo risível, e de uma ridícula “invenção”, jamais registrada na história da formação, transformação e extinção dos estados soberanos. “Separatistas” só pode ser característica dos cidadãos e cidadãs da própria terra, e que pretendam emancipar-se do país “mãe”, formando um novo país, por algumas das modalidades previstas na teoria (ou doutrina) do estado, que são (1) a CISÃO,onde o estado “reparte-se” para surgimento de dois ou mais estados; (2) pela INDEPENDÊNCIA DE COLÔNIAS, que se desligam do país colonizador; (3) pela FUSÃO de dois ou mais estados num só; (4) e finalmente pela SECESSÃO de uma parte do território e população para formação de um novo estado soberano.
Mas esse “roubo” russo de terras da Ucrânia também não atende nem mesmo às teorias que presidem o nascimento dos estados soberanos,com destaques ao (1) PRINCÍPIO DAS NACIONALIDADES,preconizado por Mancini,em 1851; (2) á TEORIA DAS FRONTEIRAS NATURAIS, segundo a qual o território é parte de uma nação,usada por Napoleão Bonaparte,que afirmava que “a Europa só encontraria paz quando as nações ficassem dentro dos seus limites naturais; (3) a TEORIA DO EQUILÍBRIO INTERNACIONAL,esboçada por Richelieu, pretendendo o equilíbrio europeu,também chamada de “teoria da paz armada”,inclusive usada pelo Brasil para aprovar a independência do Uruguai e; (4) a “TEORIA DO LIVRE ARBÍTRIO DOS POVOS, segundo a qual somente o livre consentimento de cada povo justifica a existência do estado, sendo esta a principal defesa da autodeterminação dos povos,defendida com afinco por J.J.Rousseau, e adotada na Revolução Francesa, integrando ainda a Doutrina de Wilson, de 1919, sendo sustentada por Condorcet, em 1792, segundo a qual “cada nação tem o direito de dispor sobre o próprio destino e de se dar as próprias leis”.
A salada-de-frutas russa feita na Ucrânia não atende nada disso. O “referendo” (frio) que fizeram para anexar grande parte do território da Ucrânia não tem qualquer validade ou sustentação jurídica,porquanto não se referiu a uma decisão das autoridades ucracianas competentes , e sim russas, “estrangeiras”, o que conflita completamente com a figura do “referendo”, que além do mais colheu os votos ucranianos sob coação, na força, na ponta das baionetas.
Qual o papel dos “dorminhocos” da ONU em toda essa situação? Por que não levantaram a bunda da poltrona para defender a “força-do-direito”contra o “direito-da-força”? Como admitir no seu Conselho de Segurança Permanente um país que desrespeita totalmente as regras do direito internacional? Como admitir essa covardia e provalecimento da Rússia,que num determinado acordo, após dissolução da URSS, retirou todas as armas nucleares detidas pela Ucrânia, e agora passa a apontar mísseis nucleares contra ela, por meramente se defender da invasão russa?
Será que Putin perdeu totalmente a noção que jamais os Estados Unidos, a OTAN e seu aliados,tomariam a iniciativa de iniciar uma guerra nuclear,mas que “responderiam” na mesma “hora”, e “moeda”, se fosse o caso, e seria o “fim”, ou “quase”, do mundo? Que Putin estaria exterminando outros povos, mas levando ao extermínio também o seu próprio povo russo? E a própria humanidade?