Li, por aí, recentemente, uma frase de um senhor chamado Carlos Maria Bobone, que não conheço, mas que dizia o seguinte “Mesmo que um livro seja um negócio, há sempre algo de generoso numa livraria”.
Já andava há uns tempos com este texto na oficina e não lhe via grande forma. Ainda não tinha encontrado grande sentido. Até que li esta frase. Nunca tinha lido esta frase, mas sempre tive esta ideia, esta sensação e achei tão bonito a forma como esta frase me caiu no colo e diz exatamente o que eu queria dizer neste texto.
Uma livraria é uma loja diferente das outras. Eu sei que é negócio, tem de dar lucro, pagar as despesas, ordenados e tal, mas quando entro numa livraria tenho sempre vontade de agradecer só por me deixarem entrar, estar ali, tocar nos livros, rever os conhecidos, descobrir os nunca vistos. Que tamanha generosidade, colocarem ao meu dispor todas aquelas ideias, conhecimentos, personagens, espaços, culturas. Espécie de Alice no País das Maravilhas.
A leitura e a escrita são lugares estranhos. Doces e inquietantes ao mesmo tempo. Desejáveis e avassaladores. Partilhar ideias, conhecimentos, formas de ver o mundo é tremendo. Fascinante e pesado, também. Quando lemos, aceitamos a generosidade do outro em nós. Quando escrevemos, somos nós que temos a responsabilidade de ser generosos para com o nosso tu.
Eu sou uma leitora péssima. Muito voadora e, até, dispersa. Tenho muitos livros diferentes na cabeceira e, à moda de Pennac, penso ter o direito de suspender leituras, recomeçar, reler, iniciar e terminar o que me der na real gana.
Um dia destes, tenho na ideia, virei até aqui com o Carlos Manguel e “A História da Leitura” cuja edição mais recente tem uma capa muito bonita, à altura do livro. Enquanto isso não acontece, reencontro-me com Alexandre Herculano. Um dos meus textos preferidos, e que reencontrei recentemente, é “A Abóboda”, não sei se pelo carinho ao Mestre Afonso, o humilde cego trocado pelos ilustres estrangeiros, que depois acaba a salvar a abóboda que cobria o Capítulo. Ou talvez pelas descrições, ainda que longas, vivas e ritmadas-“…os raios de sol (…) estirando-se vivídos e trémulos por cima da terra enegrecida pela humidade e errando por entre os troncos pardos dos arvoredos despidos pelas geadas…”.
Um outro que paira por aqui é “Adam, o amado de Deus” de Henri Nouwen. Este é um livro que conta a história do autor, padre católico, que esteve os últimos anos da sua vida a ajudar numa comunidade de apoio a pessoas portadoras de deficiências. O livro centra-se em Adam, deficiente profundo, e na forma como este foi tocando as vidas dos que foram passando a seu lado.
Depois, há também Tolentino Mendonça porque a sua escrita é tão reconfortante. Aquela fé escrita com poesia, com uma música que nos ensina a rezar com a vida que somos. E “O despertar da Menina Prim” de Natalia Sanmartim Fenollera, emprestado por uma amiga. Um livro que já anda por cá há muito tempo, de leitura fácil e aconchegante, mas que, sem que eu saiba bem porquê, ainda não terminei.
As leituras por aqui são assim. Sou uma leitora cruel. Se calhar, Pennac não tinha razão e não tenho o direito de abandonar um livro assim, sem mais nem menos. Seja como for, não prevejo grandes mudanças para breve. Ainda assim, sabe bem reconhecer devidamente a generosidade das livrarias, dos livreiros e dos autores. Todos eles trazem até nós este sabor inconfundível do papel, das letras, das ideias e das histórias.