Percorri o centro da cidade de Lisboa em busca de inspiração para elaborar um artigo. Gosto, nestes momentos, de ir para a beira-rio, percorrer o Terreiro do Paço, ir até ao Cais das Colunar e de sonhar a ver barcos a partir e a chegar numa azáfama enorme. O Paço Real situa-se atrás de mim. A praia outrora existente… e tantos outros pensamentos que me remontam ao passado, mais precisamente antes do terramoto de 1755. Contudo, devo regressar à realidade presente. Tudo mudou! Ainda assim que bela que é esta zona pombalina da cidade. Tantos turistas. Parecem felizes a usufruir do sol e a descobrir a cidade. Na verdade, já muito escrevi sobre esta zona da minha eleição. Decidi partir mais uma vez sem rumo definido, mas não sem antes parar para tomar um café no Restaurante Martinho da Arcada. Também Fernando Pessoa por aqui andou. Na parede do restaurante, num quadro podia-se ler um poema da sua autoria que passo a citar: “…Grande é a poesia, a bondade e as danças…; Mas o melhor do mundo são as crianças; Flores, música, o luar, e o sol, que peca; Só quando, em vez de criar, seca; O mais de isto; é Jesus Cristo…”.
Continuei a minha caminhada. Já no Rossio, perto do Teatro D. Maria II, viro à direita. Deparo-me maravilhada com a Igreja de São Domingos. Da informação que me foi facultada referia que em 1784 a capela-mor foi reconstruída por João Frederico Ludovice e João António Pádua. O grande terramoto de 1755, com o incêndio e maremoto subsequentes, causou a destruição do corpo da Igreja. Contudo o altar-mor da autoria de Ludovice, resistiu ao terramoto. Infelizmente, a 13 de Agosto de 1959, um grande incêndio consumiu toda a estrutura de madeira, os tetos, as imagens e pinturas. Recordo esse momento tão trágico, que me marcou profundamente. Referiam os jornais da época: “Fogo na Casa de Deus”. “Nas ruinas de S. Domingos continuará a celebrar-se o culto”. Entrei na Igreja com algum receio sobre o que me seria dado a observar, apesar de já ter feito uma visita há largos anos.
Fiquei deveras impressionada com o que observei. Tinha sido alvo de obras profundas que incluíam uma cobertura em betão e metal, pintura de algumas paredes, ficando contudo, internamente bem visíveis as marcas do incêndio o que me causou uma profunda admiração por esta Igreja se encontrar provida de uma beleza fora do vulgar e, no entanto, tão trágica. Vale muito a pena conhecer a sua história tão rica em acontecimentos históricos, culturais e da Igreja. De referir que a sacristia, anterior ao terramoto de 1755, escapou ao incêndio e converteu-se em capela para celebração das missas enquanto não se recuperou a Igreja. Vale muito a pena conhecer a sua história que remonta a 1241, com todas as transformações ocorridas ao longo dos séculos. “Uma Igreja única no mundo pela sua história, pela memória de glórias e desgraças e por permanecer com as marcas do fogo”, refere o panfleto da Igreja de São Domingos.
Saí feliz da Igreja de São Domingos. Que bom! Já tinha encontrado o mote para o meu artigo. Como gosto de palmilhar as ruas de Lisboa e recordar a sua riquíssima história. A cultura, e em particular o património, abre-nos novos horizontes, permite unir as pessoas em torno de uma causa, que não se perca o conhecimento acumulado através dos séculos, valorizar a identidade de um povo. Graças a Deus no dia seguinte tinha já agendado um passeio cultural, promovido pelo Centro Cultural da Ponte, orientado por Maria José Rebelo. Também constituía um momento de bom convívio. A visita programada era ao Mosteiro S. Vicente de Fora. Sei que já tinha tido oportunidade de a frequentar, quer para assistir a concertos e a outros eventos. Agora era diferente. Vou-me basear no panfleto distribuído à entrada, para usufruir de um documento de suporte. A história do Mosteiro de São Vicente de Fora remonta ao cerco de Lisboa em 1147, quando D. Afonso Henriques, caso conseguisse conquistar a cidade aos mouros, prometeu erguer um mosteiro dedicado ao Mártir São Vicente, um santo muito venerado na cidade e hoje Padroeiro do Patriarcado de Lisboa. O mosteiro seria fundado nesse mesmo ano. Com o decorrer dos anos tornou-se necessário a sua reconstrução. Em 1580, no início da dinastia filipina, foi construído o Mosteiro de São Vicente de Fora, sendo considerado o primeiro grande exemplar da arquitetura maneirista em Portugal. No entanto, foi durante os faustosos reinados de D. Pedro II e de D. João V que se aplicou no seu interior o rico revestimento artístico e decorativo que vemos hoje.
O Mosteiro esteve ocupado pela Ordem dos Cónegos Regrantes de Santo Agostinho, desde a sua fundação até 1834, data da extinção das ordens religiosas em Portugal. Santo António de Lisboa viveu aqui os seus primeiros tempos como monge agostinho, tendo posteriormente ingressado na Ordem dos Franciscanos. Como me foi dado a observar os restos mortais da sua mãe encontram-se sepultados no altar de Santo António. Durante várias horas percorremos o Mosteiro. Tudo nos recordava o nosso passado histórico, situando-nos em diferentes momentos. A visita à Cisterna, os magníficos claustros, a beleza indescritível da Sacristia que nos deixou sem respiração, a capela dos “Meninos de Palhavã”, o Panteão Real dos Bragança, a exposição: “Fábulas de la Fontaine”, a exposição do seu património, a riqueza do dos mármores embutidos e os inúmeros painéis de azulejos que focam diferentes momentos históricos, entre muitos outros e muita história partilhada em cada um dos locais visitados.
Já se fazia tarde quando chegámos às torres da Igreja, depois de subirmos vários lances de escadas. Valeu muito a pena! Terraços magníficos, os sinos, e uma vista maravilhosa da cidade de Lisboa, num dia de sol e com muita visibilidade. Imperdível mesmo! Lá estava o Tejo cintilante, o Céu de um azul celestial, o Cristo-Rei, a abençoar a cidade, todo o casario e diferentes monumentos. Dominus Deus et Deus meus. Que bela que é a minha cidade. Que bom momento de partilha, de conhecimento, de são convívio. Um grande bem-haja à organização do evento e à nossa orientadora da visita.
Concluo este artigo com uma frase proferida pelo Papa João Paulo II: “A cultura não deve sofrer nenhuma coerção por parte do poder, político ou económico, mas ser ajudada por um e por outro, em todas as formas de iniciativa pública e privada conforme o verdadeiro humanismo, a tradição e o espírito autêntico de cada povo”.