Um desgosto trespassou o meu coração deixando cair uma lágrima. Às vezes acontece. Quando menos esperamos surge um constrangimento que nos magoa muito. Como reagir. Fazer o quê? De coração contrito, procurando encontrar alguma tranquilidade, deparo-me com uma frase do Papa Francisco: “Tomar sobre si a dor dos fracassos, não fomentar ódios e ressentimentos”. Esta frase teve o condão de me acalmar, queria tudo menos provocar um conflito. Tal como Maria, guardei tudo no meu coração, sentindo-me mais leve e tranquila. Ainda assim, uma lágrima indiscreta rolou novamente pelo meu rosto. De repente, apercebi-me que não tinha lenço o que me trouxe ao pensamento o lenço de mão da imagem de Nossa Senhora da Soledade, um belíssimo trabalho, em que as rendilheiras utilizaram fio de ouro fino, 60 bilros, 250 horas de trabalho para a sua elaboração, socorrendo-se das técnicas quatrocentistas das rendas de bilros de Peniche. Uma verdadeira preciosidade que tinha tido oportunidade de visualizar aquando da cerimónia oficial da apresentação do programa da coroação pontifícia de Nossa Senhora da Soledade da Basílica de Mafra, e obras de arte criadas para o efeito.
Recordei ainda alguns excertos da comunicação proferida então por Teresa Magalhães do Vale que despertaram a minha curiosidade e que passo a citar. “A imagem de Nossa Senhora da Soledade, teve a sua origem no seio da Real e Venerável Ordem Terceira da Penitência de S. Francisco, sendo hoje pertença da Real e Venerável Irmandade do Santíssimo Sacramento de Mafra. A sua realização em madeira entalhada e policromada ao nível da cabeça e extremidades dos membros, de 107 cm de altura, teve início em 1773 conforme foi registado em acta da Mesa reunida em 29 de Maio, que aludia ao pagamento para a figura de roca. Posteriormente, em Julho de 1775, o registo menciona despesas “com os olhos, e Lágrimas, e preparação da Imagem da Soledade”; em 25 de Maio de 1776 registavam-se ulteriores despesas “com gesso para o modelo das mãos”.
A imagem integra anualmente a “Procissão do Enterro” e a “Procissão do Senhor Jesus dos Passos”. Também na circunstância de acompanhar a Imagem de Nosso Senhor nas procissões de preces públicas por motivos de alguma calamidade. Uma comovente expressão desta devoção mariana através desta imagem, bem como da sua inabalável confiança na sua intercessão, constitui o facto de, em 2018, quando se preparava uma intervenção de conservação e restauro do manto de Nossa Senhora da Soledade, terem sido encontrados pedidos deixados no manto, provavelmente pelas costureiras que o elaboraram. Quantos cristãos em sofrimento terão encontrado consolo espiritual com uma enorme confiança na intercessão de Nossa Senhora da Soledade que acompanhou o Seu Filho até à Cruz. “Tomam os dois o corpo de Jesus e deixam-No nos braços de Sua Santíssima Mãe”. “Para onde foi o teu Amado, ó mais formosa das mulheres? Para onde partiu quem tu amas, e procurá-lo-emos contigo”. “Recorre a Maria, com terna devoção de filho e Ela alcançar-te-á essa lealdade e abnegação que desejas.” (Via Sacra de S. Josemaria Escrivá). A título de curiosidade, o manto antigo de seda bordado foi intervencionado em 2017. Em 2019 foram realizadas vestes novas (vestido e manto) executados à imagem dos antigos.
Na minha memória surgiu a lembrança da Oração a Nossa Senhora da Soledade, com as suas lágrimas, constante na pagela da Real e Venerável Irmandade do Santíssimo Sacramento de Mafra. “Lembrai-vos, ó puríssima Virgem Maria, que nunca se ouviu dizer que algum daqueles que tenham recorrido à Vossa proteção, implorado o Vossa assistência e reclamado o Vosso socorro, fosse por Vós desamparado. Animado eu, pois, com igual confiança, a Vós, Virgem, entre todas singular, como a Mãe recorro, de Vós me valho…”. Olhei para a imagem presente na pagela que se reveste de uma grande beleza expressando a enorme dor sentida. Recordo que a coroação pontifícia concedida a esta Imagem pelo Sumo Pontífice, assume-se como o reconhecimento, por parte da Santa Sé, da devoção à Santíssima Virgem presente nesta venerada imagem da Soledade da Real Basílica de Mafra.
Trata-se de um acontecimento deveras importante, já que em Portugal existiam unicamente duas imagens coroadas canonicamente: Nossa Senhora do Sameiro, e Nossa Senhora de Fátima. Agora temos uma terceira, a Imagem de Nossa Senhora da Soledade. Importa dar enfase que a feitura da coroa em ouro, prata branca e dourada, resulta da doação de tantos fiéis que se empenharam na sua concretização. Há histórias tão comoventes e de uma enorme generosidade das pessoas que participaram, com o que podiam, nesta doação para a elaboração da coroa, que nos faz constatar que a solidariedade existe mesmo e em abundância em torno de uma nobre causa. O projeto selecionado da autoria de Santiago Rodríguez López (sendo o modelo realizado pelo ourives Manuel Valera) considerou, entre outros, as propostas de coroas, de autoria atribuída ao ourives João Frederico Ludovice (1673-1752), uma figura indelevelmente ligada ao Real Edifício de Mafra. Foram incluídas nas cartelas da coroa representações simbólicas de Nossa Senhora, que surgem representadas no interior do zimbório da basílica, e a cartela central reproduz o anagrama de Jesus e Maria que se encontra na janela principal da nave da basílica. As cartelas que não se veem no projeto tiveram a sua iconografia votada pelos Escoteiros de Mafra, pelos Grupos de Jovens da Vigaria de Mafra, e pelos Colégios Fomento.
As estrelas e as grinaldas, acompanham os modelos reproduzidos nos relicários que existem nos altares. A coroa é rematada com um orbe de lápis-lazúli, e uma cruz que reproduz o modelo da coroa real portuguesa. Meu Deus, como fico feliz por constatar o enorme número de pessoas e entidades envolvidas em torno desta nobre causa. Tanto trabalho desenvolvido com muita qualidade, empenho, espírito de serviço e devoção. Fica um agradecimento, muito sentido, a todos os envolvidos, em particular à Real e Venerável Irmandade do Santíssimo Sacramento de Mafra. Aguardo com a maior expetativa a cerimónia da Coroação da Imagem que terá lugar a 17 de Setembro de 2023.