Este livro de aparência singela, é muito difícil de definir, não é um livro de História, nem um romance de amor, nem uma ficção com base num casamento monárquico e muito menos um conto de fadas.
A vida de Carlos e Zita de Habsburgo, os últimos soberanos do Império Austro-Húngaro, não se resume só a tudo isto, foi muito mais…
Jovens, bonitos e apaixonados, casam-se a 21 de outubro de 1911, Carlos tem 24 anos e Zita 19. A festa é esplendorosa, o sol brilha e nada lhes falta para serem felizes. Os filhos começam a chegar, mas as “malhas que o império tece” abatem-se sobre o jovem casal em consequência da tragédia de Sarajevo a 28 de junho de 1914, em que o Príncipe herdeiro Francisco Fernando e sua esposa foram assassinados. Com a morte do Imperador Francisco José, o jovem casal é chamado a assumir as obrigações da liderança do Império Austro – Húngaro.
A guerra, “a grande guerra”, endurece, alarga-se ferozmente, mas o Imperador Carlos luta desesperadamente pela paz, lucidamente percebe toda a estratégia de manobras políticas entre o ocidente, bem como do perigo do comunismo que se avizinha. Aliás, “Carlos opõe-se ao pedido da Alemanha de transferência de Lenine, através da Áustria, por ver nele um perigoso agitador que poderia difundir o comunismo na Rússia e, por contágio, aos outros países em guerra. Os alemães, pelo contrário, veem no regresso de Lenine à Rússia o meio de pôr fim à frente do Leste, o que, com efeito, veio a acontecer. Os alemães não previram, foi precisamente o que Carlos intuiu: a difusão da revolução bolchevique para além das fronteiras russas”. op. cit, p. 69
“…Para além disso, a complexidade da política internacional transformou tudo num turbilhão de acontecimentos: o império declarou a guerra, colocando em marcha o primeiro conflito mundial – uma guerra que todos diziam querer evitar, mas que mitos secretamente desejavam e planeavam: era a oportunidade de desferir um golpe fatal no velho mundo europeu e católico, e de fazer nascer um novo modo de vida, uma nova Ordem Mundial. Foi um precipitar de acontecimentos que pareceram escapar ao domínio dos seus protagonistas – seja porque estes não se deram conta do perigo, seja porque algo semelhante a “uma mão invisível e má” parecia conduzir o suceder da história e impedir a paz.”in: Prefácio à edição portuguesa, de D. Nuno Brás, Bispo do Funchal
Foram muitas as démarches do Imperador Carlos para terminar a funesta guerra que dizimava o seu povo, mas de forma estratégica e trágica, com recurso a calúnias e a traições, foi-lhe imposta a solidão de um exílio em condições muito precárias.
A Ilha da Madeira os aguardava, um povo generoso os acolheu, no meio de tantas carências com que todos se debatiam, não lhes faltou o carinho, a atenção moral, social e a espiritual, tão importante na vida destes esposos que fizeram do seu casamento um itinerário de amor para Deus. Percorrendo uma vida de fé vivida, de coragem, de desapego e de entrega à providência divina, nunca se vislumbrou neles nenhuma amargura, revolta ou crítica. Muito pelo contrário, foi de perdão que se alimentaram os seus corações.
O Imperador Carlos da Áustria, uma das personagens mais esquecidas da Grande Guerra, morreu exilado no Funchal, Ilha da Madeira, em 1922, dirigindo a Zita, sua amada esposa, as últimas palavras: “Amo-te infinitamente. Encontrar-nos-emos no Coração de Jesus”.
Carlos e Zita de Habsburgo, Itinerário Espiritual de um Casal, de Elizabeth Montfort, editado pela Lucerna, é um livro que, dado os contornos geopolíticos, históricos e sociais, vale a pena ler para compreender como uma guerra é sempre consequência de manipulações e estratégias obscuras, de interesses económicos e ânsia de poder, não obstante o mal, o sofrimento e a desgraça a que submetem os povos envolvidos.