Era o meio da tarde. Ainda brilhava um sol de inverno, pálido e envergonhado. O vento soprava de norte. A temperatura baixara de repente. Viam- se poucas pessoas nas ruas. Enquanto aguardava que o semáforo lhe permitisse avançar, viu- o , curvado, com ar muito frágil, em passo rápido , a atravessar a rua, apertando o casaco no peito, com ar de quem estava cheio de frio. Era um homem de idade.
Deu a volta ao quarteirão, descarregou os presentes de Natal em casa e voltando ao carro, foi -lhe no encalce.
(…por que não lhe dás o teu casaco?)
Para sua surpresa, encontrou -o já longe. Parou o carro junto ao passeio e correu para ele, convidando -o a entrar no carro e dizendo que lhe ia arranjar um casaco. Ele não ficou surpreendido, só disse que tinha pressa, perguntou as horas, mas aceitou. Tinha o cabelo muito branco, um branco imaculado, e uns olhos de um azul claro inocente, quase de criança. Acelerando, lá foram até ali perto, a uma loja de chineses seus conhecidos
(… mas porque não lhe dás esse teu casaco?…)
Deixou – o no carro, e correu a buscar dois casacos para ele escolher, mas ele pegando neles, disse ,num tom decidido, que não gostava e não queria.
(Talvez o problema seja o fecho éclair… ele já não vê bem e tremem- lhe os dedos encurvados, para poder prender o fecho…
…mas por que não lhe dás esse teu casaco que tem botões ?)
Entretanto, arranjou -lhe uma camisola, talvez demasiado fina, e deu- lha… ele aceitou , mas não a vestiu. Limitou -se a encostá -la ao peito, dizendo ‘tenho pressa’.
Partiram de novo, e pelo caminho ele perguntou -lhe se teria algum quarto para arrendar, porque a dona da casa onde vivia tinha morrido e ele em breve teria de se mudar… conversaram um pouco no espaço da curta viagem. Contou- lhe que se chamava João , não tinha família em Lisboa, só na terra, que tinha sido toda a vida empregado de uma sapataria no Chiado, a Hélio. Sim, era uma sapataria muito chic… e careira…
Apesar de pobremente vestido e um ar muito neglicenciado, explicou que tinha dinheiro suficiente para comer e pagar os 200 euros da renda do quarto, mas agora o que o preocupava é que precisava de se mudar…queria um quarto!
Lá o deixou no mesmo local, onde se tinham conhecido, e ele saiu o mais rápido que pôde, sem tempo para mais despedidas, pois o jovem no carro atrás, buzinava furioso, porque o velho levava tempo a sair do carro…
( …mas por que não lhe deste o teu casaco?)
Era Natal e perdeu -o de vista para sempre…
Ainda pudera recomendar -lhe que fosse a duas igrejas conhecidas da sua área de habitação e à junta de freguesia , onde talvez lhe arranjassem quarto.
(… mas por que não lhe dera o seu casaco???)
Na noite de Natal , ao regressar da Missa do Galo , sonhou com ele, com o sr João . Ele aparecia de novo na mesma rua , viu -o de costas , caminhando apressado, reconheceu-o e ao aproximar- se ,ele pediu – lhe um agasalho… então viu que, por trás do cabelo branco e dos olhos azuis, tiritando de frio, era Jesus Quem lhe sorria e pedia: “Dás- me esse teu casaco verde de que tanto gostas?”