Tenho de quando em quando tentado entender a razão pela qual os capitalistas e os comunistas se aproximam em nossos dias, justamente eles que supostamente estão em campos absolutamente opostos e, sem grande exagero, se odeiam ou desprezam mutuamente.
O Estado de um lado e seu equivalente, o conjunto megacapitalista, do outro. No terreno da iniciativa privada os megacapitalistas seguem engolindo médios e grandes e diluindo seus investimentos, a ponto de ser quase impossível visualizar sua extensão, suas ramificações, suas participações em negócios planetários, da extração mineral às empresas de alta tecnologia.
Suspeito até mesmo que os Musks, Bezos e similares não tenham de fato as maiores fortunas, mas sejam apenas aqueles cujos negócios são mais focados, mais visíveis. Sem contar que algumas das HighTechs e redes sociais talvez tenham a mesma solidez que palanques em banhado. Um tufão econômico pode pulverizá-las, como o mais famoso lobo fez com as casinhas de Heitor e de Cícero.
Tenho lido de alhos a bugalhos. Tropecei em “Gog”, do ácido Giovanni Papini, e agora estou aguardando a chegada do seu “Meu encontro com Deus”, assim como “Vitória a qualquer custo”, do norte-americano Cecil Currey sobre o general Giap, o lendário vietnamita que bateu chineses, franceses e gringos. Enquanto não chegam as encomendas, estou a me entreter com “Esquerdismo: doença infantil do Comunismo”, da pena de Vladimir Illitch Lenin.
Lenin esculacha a esquerda alemã, à qual atribui infantilismo. Aliás, esculacha também os fabianos, os comunistas ingleses e tudo que não seja bolchevique. Defende que alianças e apoios não podem ser julgados de forma puritana, senão segundo conveniências e estratégia. Advoga sem rebuços a prática de coisas legais e ilegais, quando necessário, e se esmera no mais chão pragmatismo: “É preciso […] estar disposto a todos os sacrifícios e, inclusive, empregar – em caso de necessidade – todos os estratagemas, ardis e processos ilegais, silenciar e ocultar a verdade”.
O resultado deste circo de mentiras muitas e verdades raras, que é o comunismo, sob controle brutal de um partido e não da classe proletária, que jura defender, é um simulacro de ordem, que é garantida pela violação de direitos, pela censura, denuncismo, supressão de liberdades e por muita violência. Pra todos efeitos, para a turma de cima, funciona, ainda que à custa de muita desesperança no andar de baixo, traduzida em perda do sentido da vida, de pobreza e mesmo de baixa natalidade.
Na outra ponta os megacapitalistas devaneiam planos de redução populacional, alicerçados em promiscuidade, legalização do aborto e bizarrices com as quais sequer sonhávamos há sessenta anos, quando desentortávamos pregos usados, para economizar. Desde então o desperdício e a concentração de riquezas aumentaram extraordinariamente, a ponto de a reciclagem virar um imperativo e de poucas famílias no mundo deterem quase o mesmo que o restante da população mundial.
O que pode acontecer se a automação seguir avançando, dispensando pessoas ou no mínimo evitando sua contratação, se a população mundial seguir aumentando, se as empresas forem tragadas por grandes corporações e o globalismo prosseguir na sua sanha de inviabilizar pequenos e médios empreendimentos, justamente os que geram mais empregos?
Com a palavra, Lenin: “infelizmente, continua a haver no mundo a pequena produção em grande escala, e ela cria capitalismo e burguesia constantemente, todo dia, a toda hora, através de um processo espontâneo e em massa. Por tudo isso, a ditadura do proletariado é necessária, e a vitória sobre a burguesia torna-se impossível sem uma guerra prolongada, tenaz, desesperada, mortal, uma guerra que exige serenidade, disciplina, firmeza, inflexibilidade e uma vontade única”.
Pequenos negócios, portanto, estes estabelecimentos que geram riqueza e subsistência num meio agressivo e difícil, têm o pecado original de serem capitalistas, segundo Lenin. Execrados no comunismo, são triturados no capitalismo. Dá-se então o inusitado: os extremos se tocam.
Mas não foi lendo Lenin que cheguei a uma hipótese capaz de explicar a tão surpreendente cooperação entre comunistas e megacapitalistas, muito além de aqueles tomarem algum destes, ou de estes se beneficiarem com a eventual corrupção daqueles.
Foi buscando material sobre a ideologia comunista – nos arraiais marxista, leninista, gramsciano, trotskysta, … – que encontrei o livro cujo título batiza este texto: “Socialismo ou barbárie”, de Cornelius Castoriádis. Pensador de origem grega, nascido na Turquia e falecido na França, o título de seu livro possivelmente sintetiza a crença dos megacapitalistas para evitar, mais à frente, o caos.
Caos que os deixaria em maus lençóis, como abastados em meio a miseráveis, deserdados da sorte ou mal remediados. Como um oásis, alvo de ódios. Melhor portanto controlar o espetáculo, ainda que se valendo de antípodas.
Alguma surpresa diante de tamanho pragmatismo?