Por portas e travessas, ou melhor, por mensagens e podcasts, cheguei a uma formação online dada por uma amiga dos tempos de clube juvenil. De repente, voltei a ouvir umas palavras mágicas que já não ouvia há uns tempos. Fiquei como que hipnotizada, parecia aquelas sensações estranhas que não sabemos bem nomear. Ouvi Bem-aventuranças.
Esta palavra Bem-aventuranças soa estranho, talvez por terminar em -anças, mas agita águas. Não sei se o que vou dizer é uma grande asneira, mas, a mim, faz-me lembrar a junção de aventura com esperança. Mais ao pormenor, é-me mágico imaginar que Jesus sobe ao cimo de um monte, olha para a multidão e enumera estas bem-aventuranças.
O que nos é proposto é um percurso de aventuras sem perder a esperança, sendo que a própria esperança é em si mesma uma arriscada aventura, porque é acreditar a priori, em avanço. E como ter esperança se não consigo ver para além do agora? Esperança no quê? Onde coloco a minha esperança?
A olho nu, há muita coisa que, de facto, não faz muito sentido. Também nas bem-aventuranças isso acontece. Como é que os pobres de espírito vão possuir o reino de Deus? Como é que seremos consolados no meio de tanta dor? Como é que dos insultos e da perseguição sairão coisas boas?
As bem-aventuranças são um programa de vida real, mas difícil de engolir. É difícil encontrar o caminho, para já não dizer percorrê-lo. E não há formações que nos valha, palavras pomposas, títulos apelativos, esquemas mentais, círculos, problemas e soluções. Não há nenhuma voz humana que consiga fazer o que só a voz divina faz em nós.
Andamos meio tolos à procura de esquemas, de sons, de teorias, de momentos, de quedas de água esplendorosas e vamos nos contentando com viagens, comes e bebes e festas. Os dias passam. O ciclo nunca pára. Bem-aventurados os limpos de coração, porque eles verão a Deus.
No livro “Después de amar te amaré” de Javier Vidal-Quadras diz-se a dado momento que “no se piensa con el cerebro, sino con la vida (…) con la vida biográfica; es decir, con lo que uno es.” O que conta é o que sou no tempo que tenho, o presente, o agora, sem perder a esperança num amanhã que fará sentido, que dará luz ao que agora só é sombra.
Há uns dias, encontrei uma ilustração de Carolina Celas que apresentava várias árvores crescidas e uma, no meio, muito pequena, a ser regada por uma pessoa. A legenda da ilustração dizia “Até ao lavar dos cestos é vindima”. Uma imagem pueril desta esperança que devemos renovar continuamente, na certeza de que não existimos no mundo só para existir, mas que existimos para crescer, ocupar o nosso lugar, fortalecer o nosso chão, ajudar as outras árvores a crescer, dar sombra aos que necessitam e purificar o ar para que os outros possam também crescer.
As bem-aventuranças são as propostas de Deus para o nosso presente, por isso, talvez seja uma boa altura, no meio de tanta inquietação, de aperto, de mil informações e deformações- “El pensamiento se te va una y outra vez a donde no quieres llevarlo”, subir a um monte e permitir-se ouvir a voz de Deus para si, para a sua vida. Que boas- aventuranças estão à minha espera? Que tipo de árvore sou? Que tipo de árvore o mundo precisa que eu seja?