Os membros do Grupo de Trabalho Inter-Religioso | Religiões-Saúde (GTIR) signatários da Declaração Conjunta “Cuidar até ao fim com compaixão”, de 16 de Maio de 2018, perante a aprovação do diploma sobre o suicídio assistido e eutanásia pela Assembleia da República, vêm dizer o que se segue:
- Com a aprovação do suicídio assistido e da eutanásia, a Assembleia da República parece oferecer a morte aos doentes em sofrimento severo e fim de vida como porta de saída, criando, ao mesmo tempo, as condições para uma cultura de descarte dos mais frágeis.
- O que esperar, se a rede de cuidados paliativos deixa sem acesso a cuidados dois terços dos doentes necessitados dessa especialidade? Se a profunda crise do Serviço Nacional de Saúde (SNS) constitui em si um impedimento ao acesso à saúde pela incapacidade de resposta atempada e adequada (listas de espera, tempos de espera, doentes sem médico, etc.)? Ou se a crise económica e energética e a guerra está a vulnerabilizar ainda mais os mais frágeis e pobres no acesso à saúde e à medicação? Na verdade, face à crise do SNS, ter dinheiro faz a diferença no acesso à saúde e aos cuidados paliativos.
- A Assembleia da República, com a insistente obsessão pela eutanásia, rompeu o dique da vida. Será capaz de ficar por aí? O exemplo do Canadá, da Bélgica ou dos Países Baixos, revela que os lóbis da morte, e novas maiorias circunstanciais, depressa fizeram deslizar a legislação da eutanásia para a oferecer a novas situações de grande vulnerabilidade física, psíquica, social e económica. A assembleia da República insiste com a eutanásia, mas não parece ter refletido sobre a rampa deslizante de outros países. De boas intenções, diz-se, está o inferno cheio.
- É curioso:o século passado, século das grandes guerras e de grandes dificuldades ao nível médico e de cuidados, respondeu ao sofrimento com a invenção dos cuidados paliativos; o século XXI, século do bem-estar, da qualidade de vida, da medicina de excelência e de grandes recursos ao nível dos cuidados e da farmacologia, oferece a morte.
- Reafirmamos a convicção comum de que a vida humana é inviolável e indisponível. Primeiro, porque está consagrada no artigo 24º da Constituição da República Portuguesa; segundo, porque é um dom de Deus; terceiro, porque é humana e, por isso, é digna.
- Estamos convictos que o futuro e a modernidade não estão na oferta da morte a pedido, mas na construção de sociedades compassivas e capazes de não empurrar ninguém para fora do barco da vida, mas de acompanhar até ao fim, minorando o seu sofrimento. E os Cuidados Paliativos fazem parte dessa aposta. Na verdade, a morte não resolve o sofrimento: destrói a autonomia, aniquila liberdade e impede o desejo, já que mata a vida, suporte de todas essas realidades.
- Reafirmamos o princípio “não matarás” como património ético da humanidade e fio condutor da civilização que recebemos. “Matar” não pode ser um direito e muito menos o pode ser o “dever de matar”, porque só a vida é fonte de direito.
Lisboa, 9 de Dezembro de 2022
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