Façamos da interrupção um caminho novo.
Da queda um passo de dança,
do medo uma escada,
do sonho uma ponte,
da procura um encontro! (Fernando Sabino)
Pela vida afora, muitos caminhos se abriram e outros tantos se fecharam, ao nosso passar. Evidente que tais caminhos significam metáforas existenciais. Os verdadeiros … Os que nos serviram ao deslocar, em busca dos objetivos que um dia concebemos, foram outros. Eles estão retratados nas calçadas que pisamos, nas estradas pelas quais rodamos, nos trilhos do trem, ao correr da “Maria Fumaça”.
Minha memória retroage ao passado; por dentre brumas a envolver os muitos fatos. Ainda vislumbro as carretas a transitar, puxadas por bois mansos, que dos Pinheiros chegavam até nós na Ramiro. Eram oferecidos produtos coloniais ao longo das ruas, muitas delas ainda em chão-batido. In memoria, lembro do seu Kremer e do tio Jacozinho Krug.
A cada etapa da vida, uma interrupção; no permanente percorrer, por caminhos aleatórios, um atual sonho a nortear; um novo espaço a abrir-se, demandando a continuidade da caminhada, agora por uma nova senda. E lá vou eu, como guri bem mandado, a buscar as coisas escritas no bilhetinho.
Contava uns seis anos e pouco; atilado, conhecedor dos caminhos pelas calçadas da cidade. O pai comprava a caderno no Armazém do Júlio Endres (antes o seu Júlio tinha uma fábrica de produção de balas, caramelos e chocolates), bem defronte da casa do tio Bruno Kauer.
Carregava comigo um pequeno balaio de vime, ou coisa parecida; era um quilo de arroz, outro de feijão e alguma massa; nada muito pesado para um guri da minha idade. Eu gostava de ir no Armazém do seu Júlio, desde o tempo em que morava na casa da vovó Frida, na Dr. Flores. Ele sempre me dava bala preta, que dizia ser boa para a tosse; como sói acontecer, eu já chegava tossindo… O objetivo eram as balas.
E depois a frequência ao curso primário no Grupo Escolar 14 de Julho. E como me lembro do caminho que segui, desde minha casa até o educandário. A sala do primeiro ano era a última à direita, antes de subir a escada ao segundo andar. E lá, o piá encabulado, que quase só falava alemão, recebeu o ensinamento das primeiras letras da ilustríssima professora Valesca Lampert; ainda guardo o boletim, com muito carinho e orgulho.
Aos domingos da nossa infância, os caminhos levavam ao Cine Teatro Goio-En; assistir ao filme da matiné das 14 horas. Importante era chegar cedo, com uma pilha de gibis para trocar com amigos e conhecidos. Com algum dinheiro, podia-se comprar boas revistas pela metade do preço.
Durante a semana, em caso de necessidade, podia-se vender alguns gibis na Banquinha do Seu Osvaldo, estacionada na Olavo Bilac, quase esquina Ramiro, ao subir para o São João. Ele sempre tinha pastéis novinhos, ou assim presumíamos – quem sabe alguns dormidos. Mas o forte do negócio eram as revistas. Era a caminho dos colégios; ao subir e ao descer sempre se dava uma olhada nas novidades expostas pelo seu Osvaldo.
A este tempo, como assegura Fernando Sabino, os gibis e as revistas constituíram verdadeiras pontes ao futuro: ao gosto pela leitura, ao aperfeiçoamento da linguagem, para conseguir transformar os sonhos em literatura.
Quando abro a cada manhã a janela do meu quarto/ É como se abrisse o mesmo livro/ Numa página nova… (Mario Quintana).