As cheias que assolaram a cidade de Lisboa nas últimas semanas causaram enormes estragos. Em menor escala senti o efeito provocado pelas tempestades. Lancei um olhar para os danos causados na sala comum que a tornaram inoperativa. Este ano, como tantos cidadãos que sofreram graves prejuízos, não me seria possível aqui passar o Natal. Olhei para o local onde tinha pensado colocar o Presépio e a árvore de Natal. Dei graças a Deus por já ter decidido que os artigos de opinião desta quadra natalícia seriam sobre Presépios. Já visitei tantos! Parecia um prenúncio do que iria acontecer. Este ano seria um presépio do coração.
Recordei uma frase recente do Papa Francisco: “Quando se vive a crise sem nos encerrarmos em nós próprios, à raiva e ao medo, mas mantendo a porta aberta para Deus, Ele pode intervir. Ele é um especialista em transformar crises em sonhos… Também nós temos os nossos sonhos e talvez no Natal pensemos mais neles, falemos sobre eles juntos. Talvez lamentemos alguns sonhos quebrados… Não devemos ceder a sentimentos negativos… Em vez disso, devemos acolher as surpresas da vida, também as crises… Deus abre as crises a novas perspetivas, talvez, não como esperávamos, mas sim como Ele sabe. São os horizontes de Deus surpreendentes, mas infinitamente mais amplos e bonitos que os nossos!”.
Claro que recordei de imediato o exemplo do sofrimento da população ucraniana e a sua enorme coragem. O Papa lembrou, apontando para um cartaz da Ucrânia: “Ali está escrito “Paz”, e ali está a bandeira da Ucrânia. Tantas crianças sofrem com a guerra; e também sofrem noutros locais por causa das injustiças. Se o Senhor nos dá esta alegria de celebrar o Natal assim, todos juntos, em paz, pensemos também naqueles que sofrem, e rezemos por eles, todos juntos”.
Hoje, ao fazer a minha habitual caminhada, deparei-me com a cidade de Lisboa pontuada de Presépios e de figuras de anjos, em avenidas, ruas, praças…, por iniciativa da Câmara Municipal e de algumas Juntas de Freguesia. Também alguns dos espaços comerciais e muitas lojas de comércio local têm o seu Presépio montado. Tudo a lembrar que o Natal sem presépio não faz muito sentido. Que bom! Depois fui ter com uma amiga para visitarmos, o Museu Nacional de Arte Antiga, e foi com enorme alegria que nos deparámos com duas “Salas de Presépios”.
Presépio, que vem do latim praesepium, que significa manjedoura, é o termo português para designar a representação da Natividade de Jesus. Nestas salas foi possível observar, com profunda admiração a história do presépio português com uma belíssima seleção de obras de reputados escultores, desde os fragmentos de figuras em barro cozido do séc. XVI até aos grandiosos conjuntos conventuais e palacianos do Barroco, alguns deles ainda conservados nas suas maquinetas originais. Destacam-se as obras produzidas nas oficinas de Lisboa dos séculos XVII e XVIII. São tantos e tão belos que aconselho vivamente uma visita a estas salas situadas no I Piso. Também no III Piso, fomos surpreendidas com uma belíssima escultura de Joaquim Machado de Castro, “Santa Ana e a Virgem”, em madeira dourada, estofada e policromada, encomenda de D. Maria I, e oferecida ao Convento Feminino de Nossa Senhora da Conceição da Luz de Arroios. O tema da imagem é o da educação de Maria, em que Santa Ana sentada, com o livro na mão esquerda, ensina a Virgem a ler, como modelo da educação feminina e da transmissão da fé cristã. Aqui perto também nos deparámos com o magnífico Presépio do Convento de Santa Teresa de Jesus de Carnide, atribuído a António Ferreira, em barro cozido e policromado. Meu Deus, que maravilha de presépio!
Resolvemos sair entretanto. Voltaríamos noutro dia para finalizarmos a visita e observarmos as outras obras de arte expostas.
Entretanto, recebi uma mensagem de uma amiga contendo um vídeo, com um grupo coral a cantar “As Janeiras”. Que tradição maravilhosa existente em Portugal que consiste em cantar músicas com quadras simples pelas ruas, anunciando nascimento do Menino Jesus, louvando-o, bem como a Nossa Senhora e a São José. Deus permita que esta bonita tradição, não caia em esquecimento nos centros urbanos.
Tinha já pensado visitar a Basílica dos Mártires de Lisboa, na próxima caminhada e assim fiz. Foi criada em 1147 depois de D. Afonso Henriques ter conquistado a cidade de Lisboa aos mouros. Inicialmente era uma pequena ermida, com intenção de ser prestado culto à sagrada imagem de Nossa Senhora, trazida pelos Cruzados ingleses, e diante da qual, o Rei D. Afonso Henriques tinha pedido auxílio e proteção à Mãe de Deus, para fazer de Lisboa uma cidade cristã. A população invocou-a como Nossa Senhora dos Mártires ou Santa Maria dos Mártires em memória de todos os soldados cristãos que, movidos pela fé, morreram em combate. Foi completamente destruída no terramoto de 1755. Data a dedicação da atual Basílica ao ano 1784, sendo o ex-libris da reconstrução pombalina em edifícios religiosos.
Chamou-me a atenção a inscrição existente numa imponente porta de ferro: “Nesta Paróquia se administrou o primeiro Batismo depois da tomada de Lisboa aos mouros em 1147”. Muito mais teria para contar sobre esta Basílica, mas o que aqui me trouxe foi o Presépio da Escola de Machado de Castro do século XVIII que se encontra montado na sua maquineta original. Algumas das figuras em terracota terão saído das mãos do próprio Joaquim Machado de Castro. A voragem do tempo bem como alguma insensibilidade quase que o levaram à sua destruição. Felizmente alguém terá acondicionado as suas figuras em caixas de cartão o que permitiu remontá-lo e reconstruir as cenas principais. Graças a Deus porque o Presépio é lindíssimo. Uma verdadeira obra de arte deste escultor, a que já nos habituámos, que enriquece o nosso património, que nos ajuda a rezar, e que merece uma visita.
Na realidade temos muitos presépios do coração. Termino este artigo com uma frase do Papa Emérito Bento XVI.“Se falta Deus, falha a esperança. Tudo perde sentido. É como se viesse a faltar a dimensão da profundidade e todas as coisas obscurecessem, desprovidas do seu valor simbólico, como se não se “destacassem” da simples materialidade. Durante o tempo do Advento, sentimos que a Igreja nos toma pela mão e, à imagem de Maria Santíssima, manifesta a sua maternidade fazendo-nos experimentar a espera gozosa da vinda de Jesus, que a todos nos abraça no seu amor que salva e consola”. Santa Maria, Rainha da Esperança intercedei pela paz no mundo.