Na viagem de volta ao Brasil, depois de passar uma semana na Finlândia, com um bate-volta na Estônia, conversei com um rapaz que trabalha na área de exportação de uma grande empresa gaúcha e com uma senhora paranaense que vive há mais de três décadas em Paris.
Me interessei pela descrição que o rapaz fazia dos países africanos que visita com regularidade, desde Marrocos, Argélia e África do Sul até Angola e Gana. Afirmava que em vários deles tem a sensação de que aterrissou na Idade da Pedra lascada. Contou que a Líbia – no tempo de Kadhafi uma ditadura cruel, derrubada com a colaboração da França,- tornou-se uma bagunça dominada por três milícias principais, cada uma das quais controla um porto. Testemunho renovado de que a política de não intervenção parece a mais acertada. As melancias se ajustam no andar da carruagem e acelerar a história nem sempre resulta em boa coisa.
Depois o assunto migrou para a França e sua cizânia atual: de um lado uma esquerda que lidera um país que perdeu a imagem de grande influenciador mundial e de outro uma direita estigmatizada, comandada por Marine Le Pen. Onde isto desembocará? Perguntei se o modelo punha toda a sua energia no comando elitista, haja vista que, normalmente, muitos dos dirigentes políticos e o ocupante do Palácio do Eliseu são egressos da Escola Nacional de Administração ou do Instituto de Ciências Políticas de Paris. Também indaguei como controlam a difusão islâmica. Apenas proibindo certos hábitos em público, como aquele que obriga as mulheres a cobrirem o rosto?
A senhora então discorreu sobre algumas peculiaridades, até chegar numa coisa denominada batismo republicano. Budista, acolheu à época o pedido de seu filho mais velho, que passou pelo transe irreligioso do tal “batismo republicano”. Hoje o rapaz é ateu convicto. Ela, a mãe, estudou em escola jesuíta e se apresenta como uma rebelde. No tempo da escola católica não ajoelhava nas orações. Disse isto sem esconder um certo orgulho – que qualifico na linha da rebeldia sem causa,- e afirmou que acha que os filhos devem escolher por conta própria a religião a seguir. Ou nenhuma. O rapaz que trabalha na área de exportação concordou de forma enfática.
Pedi vênia e disse que discordava. O que fazem os pais com times de futebol, para tomar um exemplo representativo? Desde o nascimento influenciam seus rebentos para que torçam pelas mesmas cores. Ora, se fazem isto por uma bobagem, por que não o fazem em algo crucial, pelo menos para os que já descobriram a finitude?
Imagino este indiferentismo como um barco à deriva num arquipélago. Bate na Ilha dos Gnomos, depois na Ilha do Poder das Pedras, na Ilha dos Mortos que Falam, na Ilha Gnóstica, na Ilha dos Iluminados, …, e pelo Oceano do Nada ou no Mar de Tudo um Pouco pode se perder.
Pois bem, a dupla com quem conversava teve formação católica, que foi deixando para trás. Com o intuito de colocar uma semente em seu racionalismo, disse que até os trinta anos estivera um tanto distante da religião, até que começasse a ler os Evangelhos. Percebi então que algumas respostas de Cristo, como aquela diante dos que estavam prestes a lapidar uma mulher, não tinham a feição somente humana. Entendi que eram divinas.
Exterminando o sobrenatural, o sentido espiritual da vida, a terrestrialização – palavra nova que traduz bem o que vemos no mundo,- reduz o homem à pura animalidade. Batismo republicano? Que coisa mais esdrúxula, herdeira da revolução francesa, aquela que tentou exterminar a religião e guilhotinou, dentre outros, Lavoisier …
Comandante do Terror, Robespierre vaticinou que antes da cabeça dele, muitas rolariam. Acertou em cheio. E dizer que no tempo do ginásio um professor, numa discussão sobre sei lá o quê, afirmou que eu era “um Robespierre!”. Gostei da comparação e cheguei a usar o pseudônimo nos anos vinte. As águas do tempo correram e felizmente corrigi a rota. Lembrei aos viajantes que a afirmação de Cristo segundo a qual Ele é “O Caminho, a Verdade e a Vida” não deixa espaço para caldeamentos ou sincretismos, que manietam ou infantilizam o cristianismo. Ou rejeita-se tudo – considerando que Cristo foi um farsante,- ou aceita-se tudo.