Quero ser feliz
Nas ondas do mar
Quero esquecer tudo
Quero descansar. (Estrela do Mar – Manoel Bandeira)
E lá vamos nós, de novamente, olhando serenos a espuma branca, o quebrar das ondas à beira da praia, junto aos meus pés. E Por elas, meu pensamento retroage ao passado, para alcançar momentos de plena felicidade na infância de um guri. Era janeiro, ao correr dos anos 50 do século passado.
Férias, calor, no aguardo do convite e carona para passar alguns dias em Tramandaí. Um tempo ansiosamente almejado; só esperando pela data e horário da partida. Poucos montenegrinos tinham moradia na praia; a alternativa era hospedar-se num hotel, dos muitos lá existentes. Estes hotéis, além dos quartos, apartamentos ou cabanas, incluíam as refeições nos preços das diárias (café da manhã, almoço e janta).
Em nossa casa, no início de janeiro, ansiava-se pelo convite do padrinho Henrique Scharlau, para alguns dias de veraneio. O convite sempre vinha, junto com o tempo de permanência e o valor da diária no Hotel Strassburger. Crianças com menos de 10 anos pagavam meia. A saída acontecia sempre bem cedo pela manhã; por isso dormíamos na casa do parente, lá na Vila Scharlau.
O carro dele era um Ford/Taunus 1952, muito bem conservado. Em 1965 minha avó paterna comprou este carro e deu-me de presente. Foi nele que aprendi a dirigir. Na manhã aprazada, por volta das 5 horas, iniciava a viagem rumo ao litoral. Quatro pessoas adultas e três crianças. De um jeito ou de outro todos se acomodavam. Seguia-se por dentro de São Leopoldo, passando por Sapucaia do Sul e Canoas até Gravataí, onde iniciava a RS 030 – rodovia que seguia até Tramandaí.
A primeira parada era num Posto da Polícia Rodoviária; depois de exibir a carteira de habilitação, o motorista recebia um cartão, sobre o qual uma máquina imprimia um relógio, indicando a hora mínima para chegar ao outro posto de fiscalização, que ficava antes de Santo Antônio da Patrulha. Se chegasse antes da hora marcada era multado. A estrada era bastante sinuosa, ao menos no trecho inicial; por isso a velocidade era reduzida – um cálculo médio entre distância e a velocidade, determinava o tempo para o percurso.
Café com sonho, em Santo Antônio, era uma parada obrigatória, tanto na ida quanto na volta. Todos os contemporâneos, que transitaram pela antiga estrada, inegavelmente têm nos sonhos uma recordação que transcende o próprio tempo. É como uma marca indelével em nossas lembranças. Depois da parada, um novo cartão na saída daquela cidade. Marcava o horário de chegada em Osório.
Mais de quatro horas depois da saída, finalmente Tramandaí. O Hotel Strassburger e suas cabanas. O carro ficava estacionado, seria acionado somente quando da volta. Mal dava tempo parar arrumar as coisas e trocar de roupa; o mar nos esperava. A pé, desde a Emancipação, por toda a Avenida da Igreja, até o Bar Gaivota; a areia e o mar de água salgada. Este era o programa diário, pela manhã e tarde.
A sorte por sermos guris, bem mandados e perdidamente apaixonados pelas ondas que quebravam em branca espuma. A primeira coisa era observar a bandeira: branca, amarela, vermelha ou preta. Brincar na fina areia, nem pensar. Ninguém tinha consigo um guarda-sol, só as toalhas que cobriam as costas durante a longa caminhada do centro ao mar e vice-versa. Talvez tirar uma fotografia para fazer um monóculo. O negócio era a água; furar ondas, brincar de jacaré, boiar e cuidar das mães-d’água.
Dez e meia, não muito mais, volta ao hotel, pois 11h30min o almoço era servido e, por imposição do padrinho, éramos os primeiros a sentar a mesa. Três pratos individuais eram servidos: primeiro a sopa; ao depois frutos do mar e finalmente a guarnição principal: arroz, feijão, carne, massa, batata e muitos outros mais que já não lembro. Era comida para ninguém botar defeito.