Quando eu for, um dia desses,
Poeira ou folha levada
No vento da madrugada,
Serei um pouco do nada
Invisível, delicioso
(Mário Quintana)
Algum notívago, por ainda acordado, ou sem sono, nas madrugadas de antigamente, por certo voltaria sua atenção ao trotar do cavalo, puxando uma carrocinha, até parar defronte de uma casa. Ao amanhecer do dia, padeiros e leiteiros cumpriam sua faina diária. Em lugares previamente combinados, o padeiro deixava pães de 1/2kg, conforme o tamanho da família; o leiteiro enchia a vasilha, com um ou dois litros de leite. Estes homens da madrugada entregavam os produtos e seguiam a jornada.
Tudo era religiosamente pago, no fim da semana, da quinzena ou do mês, conforme prévio acerto. O negócio embasava-se na confiança e os profissionais controlavam e assentavam num caderno as entregas. Quando do pagamento, informavam o número e litros dos produtos entregues. Dificilmente havia logro.
O trabalhador ganhava o seu envelope mensalmente; às vezes um adiantamento quinzenal, sempre em dinheiro, que era acondicionado neste invólucro. Evidente que muitos, ausente a informalidade contábil, simplesmente assinavam um vale (parcelado) ou a folha de pagamento e recebiam o seu salário em dinheiro vivo – na “boca do caixa”, como diziam os antigos. Com o dinheiro na mão, saiam a fazer os pagamentos.
Tudo era muito bem controlado e honrado: padeiro, leiteiro, armazém (caderno mensal), lojas, onde compravam fiado durante o mês, em algumas prestações mensais. Também o pagamento das contas de água e luz. Mensalmente funcionários da CEEE e da CORSAN cobravam as contas, diretamente nas casas ou estabelecimentos, mediante recibo. Tudo era anotado em fichas individuais por economia, guardadas em grossos arquivos, que os cobradores traziam consigo. Era “tirada” a leitura, anotada na ficha e efetuada a cobrança.
Depois dos pagamentos mensais e corriqueiros, o que sobrasse era guardado para o atendimento de emergências e para divertimento próprio e da família, especialmente dinheiro para as matinés das crianças aos domingos. Não sobrava dinheiro para guardar em banco e tão pouco precisava. Os furtos e roubos eram poucos e somente os incautos andavam com bastante dinheiro nos bolsos; o dinheiro ficava em casa.
Com o avançar do tempo vieram os supermercados; proibiu-se a venda do leite “in natura”. Em nossa região o monopólio do leite passou a ser do Estado, através do DEAL (depois CORLAC), localizado na beira-rio. O leite só podia ser vendido depois de pasteurizado; assim surgiu a VAQUINHA.
Um grande tanque foi montado em uma camionete e nele o leite pasteurizado era acondicionado para ser vendido à população. A camioneta, que recebeu o apelido de vaquinha, percorria as ruas da cidade, parando em pontos pré-determinados, onde os compradores esperavam com suas vasilhas: leiteiras, panelas, litros e assim por diante.
Em nossa cidade o primeiro estabelecimento com ares de supermercado foi a SAPS, que funcionou no prédio de propriedade do seu Alberto Zimmer, pai do nosso ex-prefeito Ivan, na esquina das Ruas Osvaldo Aranha com a Capitão Cruz. Pagava-se menos, mas no dinheiro; não tinha fiado ou o famoso “anota pra mim”.
Surgiram as financeiras e as grandes lojas de departamentos; o dinheiro começou a ser concentrado nos bancos. As mudanças foram acontecendo de forma lenta, porém radical. Os bancos que antes remuneravam os depósitos em conta corrente deixaram de fazê-lo. A ganância foi aumentando paulatinamente e as ações de cobrança e de execução avolumaram-se nos fóruns.