O Dia de S. João Bosco (31 de janeiro) dá para lembrar este famoso santo da juventude, fundador de duas congregações de consagrados, sendo hoje a dos Salesianos a mais numerosa na Igreja. Este Santo foi um grande sonhador inspirado noutro grande testemunho do amor de Deus como o Papa expõe na sua carta apostólica dos 400 anos da sua morte. Dom Bosco continua a causar surpresa pelos factos e casos que se realizaram no seu tempo. Já lá vamos. E por ter a ver com a vida consagrada, neste caso, a contemplativa de oração e clausura.
Começo por uma visita nos anos 70, a Cascais, a pedido de um grupo de quatro Irmãos de S. João de Deus que visitaram Portugal, vindos de Roma. Queriam que os acompanhasse a Cascais para visitar o Rei Umberto II exilado na Villa Itália. Como nos conhecíamos aceitei guiá-los. Não foi difícil chegar ao edifício, a uns 300 metros da Boca do Inferno. Tocámos a campainha e o mordomo não tardou a receber-nos, e a saber quem éramos e ao que íamos. Esperamos um pouco; e passados uns minutos tínhamos diante de nós o Rei, bem-disposto e comunicativo, a saudar-nos e a tomar conhecimento dos Irmãos italianos, Fatebenefratelli bem conhecidos na Itália. Durante largos minutos, foi uma conversa agradável e logo uma curta visita à Villa. Passado cerca de um ano, outro grupo do norte da Itália, sabendo do encontro, visitaram-me no Algueirão (Sintra) pedindo que os levasse também até ao rei italiano, ainda em Cascais. Foi de novo muito agradável a visita.
Recentemente, no boletim Aleteia, em francês, de 31.01.2023, descobri que o exílio do rei Umberto II em Portugal se ligava a um sonho de S. João Bosco, ao jovem rei Victor-Emanuel II (1861-1878), seu antecessor, e à lei Ratazzi, de confiscação dos bens e conventos de vida religiosa contemplativa na Itália a que o rei podia opor o seu veto. O soberano não queria tomar essa atitude contra a maçonaria. Dom Bosco sonhou que estava no palácio e viu um serviçal a exclamar: «grande enterro na corte!». Chocado, escreve ao rei. Cinco dias depois, repete-se o sonho e outra carta dele, agora com palavras mais alarmantes: «não um, mas vários grandes enterros na corte». O rei, furioso, mandou um enviado a advertir João Bosco que parasse com os vaticínios. João respondeu que não disse mais que a verdade, não para indispor o rei, mas para bem da Igreja.
A lei, na generalidade, passa no parlamento no dia 5 de janeiro de 1855; e à noite, a rainha-mãe adoece gravemente e morre com 54 anos. No dia do funeral, a rainha – esposa, que dera à luz oito dias antes, sofre de complicações e morre. Dom Bosco adverte novamente o rei para não deixar passar a lei, pois isto “era só o começo dos males”. Nada adiantou; e agora, a seguir às duas rainhas, é o irmão do rei, duque de Genebra, que morre no dia 11 de fevereiro. O rei não cede e a lei é aprovada; e, agora, é o seu último filho nascido que sucumbe a doença infantil. Apesar de tudo, o rei assina o decreto que suprime os 334 conventos de vida consagrada de clausura. Dom Bosco terá escrito nas notas pessoais que “a família que rouba a Deus não passará da quarta geração”.
E assim aconteceu: o seu sucessor Umberto I (1878- 1900) é assassinado; o seu filho Victor-Emanuel III (1900-1947), no tempo do ditador Mussolini, abdica em 1946 (e morre em 1947 no exílio, no Egipto); e o seu filho Umberto II é constrangido a deixar também o trono antes de sair de Itália com a família para o exílio, após reinar apenas um mês. Veio viver para Cascais, onde o visitámos na Villa Itália com os amigos italianos (em 1976). Umberto II viveu 11 anos (1950-1961) na Villa D’Este, por oferta da família Pinto Bastos, até ser construída a Villa Itália. Hoje, esta Villa está transformada no hotel Grande Real Villa Itália, a que fiz uma visita de curiosidade com sobrinhos há meia dúzia de anos, causando surpresa ao rececionista quando falámos sobre as duas visitas que fiz ao rei.
Dom Bosco teve outros sonhos relacionados com a Igreja. O sonho das duas armadas em guerra no meio de uma grande tormenta e as duas colunas. O Almirante, eleito para substituir aquele que foi morto pela armada inimiga da Igreja, mandou amarrar os barcos da armada da Igreja durante o recrudescer da batalha e da tempestade, e assim salvou esta e se afundou a inimiga. O sonho é bem conhecido. A Semana e o Dia dos Consagrados, 2 de Fevereiro, levam a pensar que desde que se multiplicaram as investidas exteriores contra a Igreja e as congregações religiosas desde o século XVIII, houve extinções de muitas delas.
Alguns sonhos de Dom Bosco se lhes poderão aplicar. Nos tempos que correm, infelizmente, observam-se mais investidas a partir de fora, de ideologias e países anticristãos, e de dentro, da própria Igreja, das suas infidelidades. Por isso, a necessidade de oração e fidelidade continuam com grande urgência. “O dia será uma ocasião para agradecer ao Senhor pelo dom da vida consagrada e para rezar pelo Santo Padre Francisco que estará na República Democrática do Congo e no Sudão do Sul onde tantos consagrados e consagradas cumprem sua missão em contextos de pobreza e marginalização social”, como é pedido de Roma (Agência Ecclesia).