(Foto extraída da rede mundial)
Manoel de Barros é um dos maiores poetas brasileiros, recebeu treze prêmios literários, entre eles, dois Prêmios Jabutis, o primeiro em 1989, com o livro “O guardador de águas” e o segundo em 2002, com sua obra “O fazedor de amanhecer”. Nasceu em Cuiabá, desde pequeno escreveu poemas, sua primeira obra publicada leva o título de “Poemas concebidos sem pecado”; formou-se em Direito no Rio de Janeiro, foi membro da Academia Sul-mato-grossense de letras, chegou a morar em outros países tais como Bolívia, Peru e Estados Unidos; viveu um bom tempo em Nova York, onde dedicou-se a fazer um curso de artes plásticas e outro de cinema.
Voltando à pátria, além de ser o mais aclamado poeta brasileiro da contemporaneidade nos meios literários, seu colega Carlos Drummond de Andrade, enquanto ainda escrevia, recusou o epíteto de maior poeta vivo do Brasil em favor de Manoel de Barros. Este produziu mais de trinta e cinco coletâneas poéticas, sendo sua obra mais conhecida o “Livro sobre nada” de 1996, considerado por especialistas como sua “magnum opus”. De qualquer modo, em toda sua produção artística, o autor expressa seu poder criativo com uma poética da miudeza e da singeleza, narrada a partir do universo interior, e sua inspiração desperta-nos emoção, enlevo, sentimento de beleza, apreciação estética; com uma linguagem simples, coloquial e por vezes vanguardista e até surrealista, Manoel de Barros escreve sobre temas como o cotidiano e a natureza, de tal forma que o seu universo onírico rege e cria neologismos.
Algumas de suas obras foram publicadas em Portugal, Espanha, França, Alemanha e Estados Unidos. Manoel de Barros é um escritor pertencente à terceira geração modernista, chamada de “Geração de 45”. A seguir, explicamos o que este apelido significa. O modernismo no brasil foi um movimento de amplitude cultural e literária que se caracterizou pela liberdade estética, pelo nacionalismo e igualmente pela crítica social. Foi fortemente inspirado pelas inovações artísticas das vanguardas europeias, tais como o cubismo, o futurismo e o surrealismo; todos esses conceitos novos e avançados expressam-se no marco inicial da Semana de Arte Moderna, a qual se realizou entre os dias 11 e 18 de fevereiro de 1922, no Theatro Municipal de São Paulo.
À época, no país, o cenário era de insatisfação, pois muitas pessoas consideravam a cultura, a política e a economia estagnadas; foi nesse cenário de incertezas que um grupo de artistas, empenhados em propor uma renovação estética na arte, apresentaram um novo olhar, mais libertário, contrário ao tradicionalismo e ao rigor estético. Quanto às fases do modernismo no brasil, no total, elas estendem-se de 1922 a 1960, inaugurando a primeira de 1922 até 1930, a segunda, de 1930 a 1945 e, finalmente, a que nos interessa neste texto, o período de 1945 a 1960, o da chamada “Geração de 45”.
São características desta terceira fase: a busca de uma poesia mais equilibrada e objetiva, a liberdade formal é deixada de lado para dar lugar ao culto da perfeição literária, mas principalmente, afinal, procura-se a diversidade da prosa urbana e a poética intimista e regionalista. Floresce, então, na obra de Manoel de Barros, sua visão subjetiva, simbólica e espiritual do mundo; o autor situa sua poesia não na tradução fiel da realidade, mas na combinação subjetiva de sentimentos e de pensamentos, de figuras e de formas regidas por leis próprias, a saber, as de sua composição poética.
A partir deste momento, vamos dedicar nossa atenção a três poemas do autor. O primeiro é “Livro sobre nada”, onde ele se inspira na frase do escritor francês Gustave Flaubert (século XIX) e afirma “O que eu mais gostaria de fazer é um livro sobre nada”. Pois bem, este é composto de quatro partes: “Arte de infantilizar formigas”, “Desejar ser”, “O livro sobre nada” e “Os Outros: o melhor de mim sou Eles”. Perguntamos: o que o poeta procura? Imagino que seja o conjunto dos diversos elementos estruturados em sua produção literária, artística. Destacamos seis versos do “Livro sobre nada”: “ (…) é mais fácil fazer da tolice um regalo do que da sensatez / tudo que não invento é falso. / há muitas maneiras sérias de não dizer nada, mas só a poesia é verdadeira. / melhor jeito que achei para me conhecer foi fazendo o contrário. / Melhor que nomear é aludir. Verso não precisa dar noção. / O que sustenta a encantação de um verso (além do ritmo) é o ilogismo.”
Esses seis versos acima são pílulas de sabedoria do poeta do interior, que propõe um conhecimento concentrado e fragmentado; as pequenas frases, mesmo sucintas e desconexas, inquietam e convidam a pensar; as reflexões filosóficas profundas (por vezes alternadas com constatações ligeiras) se apresentam a partir de um véu de aparente simplicidade, mas quando a leitura acaba, as frases ficam ecoando e repercutindo.
O segundo poema leva como título “O apanhador de desperdícios”, e ele começa assim: “uso a palavra para compor meus silêncios. / não gosto das palavras / fatigadas de informar. / dou mais respeito / às que vivem de barriga no chão / tipo água pedra sapo. / (…) dou respeito às coisas desimportantes / e aos seres desimportantes. / prezo insetos mais que aviões. / prezo a velocidade / das tartarugas mais que a dos mísseis. / meu quintal é maior do que o mundo. / sou um apanhador de desperdícios: / amo os restos / (…) eu não sou da informática: / eu sou da invencionática. / só uso a palavra para compor meus silêncios.
Analisando um pouco esse poema, ele autoriza-nos a pensar em uma temática social e humana; percebemos que o poeta diz não gostar das palavras fatigadas de transmitir, e que existe uma ansiedade pela informação cada vez maior nesse mundo tecnologizado em excesso; e quando o esclarecimento não se transforma em conhecimento, ela perde seu valor; a novidade é necessária e decisiva para a convivência social e sobrevivência pessoal, desde que seja convertida em domínio prático para os indivíduos humanos.
Finalmente, o terceiro poema é “Poema”! Ele inicia assim: “a poesia está guardada nas palavras – é tudo que eu sei. / meu fado é o de não saber quase tudo. / (…) poderoso para mim não é aquele que descobre ouro. / para mim poderoso é aquele que descobre as / insignificâncias (do mundo e as nossas). / por essa pequena sentença me elogiaram de imbecil. / fiquei emocionado e chorei. / sou fraco para elogios.”
Compreendemos que a pretexto de falar sobre a poesia, o autor inicialmente desencadeia uma reflexão sobre si próprio e sobre a coletividade, e a seguir ele deságua em um questionamento mais amplo sobre as limitações do sujeito e da sociedade em que nós todos nos encontramos. O que mais podemos querer de um poeta como Manoel de Barros? Ele está presente em cada um de nós, sua fragilidade humana e social manifesta-se não só em sua poesia, mas em todas as pessoas que se proponham a refletir um pouco que seja; humanos não são máquinas nem soberanos, enganam-se os que assim o pensam; mas nunca é tarde para que se busque um pouco dessa arte que nos ajuda a refletir e a ir de encontro com nossa sensibilidade às vezes esquecida.