(Imagem extraída da rede mundial)
Escrever sobre mulheres não é fácil, embora eu escreva imenso sobre mulheres. Há um lado incrível, generoso, terno, polivalente, energético e empreendedor, mas também um lado tenebroso de mania de controlar tudo, de querer tudo perfeito, de sentir inveja da amiga do lado, de falar demais, de emitir opiniões mesmo que ninguém peça, de se achar o máximo e um lixo num ápice.
As ondas de yoga, meditação e tal são tão atraentes para as mulheres porque as obriga a, pelo menos, por instantes, ficar quietas, em silêncio ou em ommm. Na mulher, há um vai e vem permanentes que a impossibilitam de ser uma alma sossegada, embora, nalguns casos, o ambicione.
“Marta! Marta! Tu afadigas-te e andas inquieta com muitas coisas quando uma só é necessária.” Lucas 10, 38-42
Santa Teresa do Menino Jesus, quando lhe perguntavam pela manhã porque estava tão contente, respondia que nada a deixava mais feliz do que os seus “pequenos sofrimentos”. A mulher é muito isto. Precisa de sentir o pulsar do coração, a vibração da terra, o tremor do caminho incerto. Claro que Santa Teresa via estes “sofrimentos” com uma visão sobrenatural que transforma radicalmente o significado, o lugar, o papel destas pinceladas negras, enquanto que a maioria de nós se questiona interiormente. Porquê a mim?
Para tentar escapar ao pânico da página branco, do contínuo delete e da banalidade, fui procurar conhecer melhor mulheres que encontrei recentemente. Falo de mulheres que fazem parte do grupo de patronos das Jornadas Mundiais da Juventude. Encontrei vidas reais como as nossas e percebi que o sofrimento tem mesmo um efeito depurador, de clarividência e de superação que, assusta, mas que, na inevitabilidade, o amor resgata e liberta.
A Beata Maria Clara do Menino Jesus nasceu numa família nobre, em 1843, na zona da Amadora, arredores de Lisboa. Ficou órfã aos 13 anos porque os seus pais morreram de doença. Foi colocada num asilo e depois esteve com uma família amiga. O sofrimento remexeu com a sua alma, inquietou-a e levou-a a querer ajudar os que sofrem sem nada e sem ninguém. Nesse sentido, trabalhou 28 anos, no silêncio das suas próprias dores, para acalmar as dos outros, em mais de 142 obras de trabalho social.
A Beata Chiara Luce Badano nasceu em 1971. Pais humildes, cristãos, que muito pediram um filho. Aos 17 anos, foi-lhe detetado um sarcoma muito grave e doloroso. Viveu-o heroica e generosamente, embora tenha sido muito difícil de aceitar inicialmente porque era muito alegre e queria muito viver. Era uma jovem normal, tinha sonhos, queria ser comissária de bordo e também voluntária em África. Queria viver. Morreu com 19 anos. Uma cerimónia que quis que fosse de alegria e que deixou todos os que a amavam em paz, modificados e edificados.
Um livro delicioso de Adolfo Simões Muller, na sua coleção Gente grande para gente pequena, fala de Florença Nightingale, uma enfermeira italiana que esteve na frente de guerra a socorrer todos os que precisavam de auxílio. A páginas tantas, diz “Não estou cansada desta luta sem tréguas! – declarava ela. – O que fiz é o que hei-de continuar a fazer!” e assim foi até aos 90 anos, ainda dizendo que gostava de trabalhar mais um pouco antes de morrer.
Retratos de mulheres incríveis, dos nossos tempos e de outros tempos, mas que nos inspiram e transpiram nesta correria que quase nos atropela. Estas mulheres não estão só no ecrã do computador, nos outdoors da cidade ou nos livros que moram nas estantes lá de casa. Estas mulheres também somos nós, também são as que nos rodeiam, as que pelejam sem descanso pelos seus filhos, pela sua família, pela sua vocação, pelos seus moinhos de vento.
À que trabalha por turnos, nos corredores de hospital e corre para tratar de três filhos, um adolescente e dois gémeos pirralhos.
À que fundou uma ONG para ajudar na educação de crianças desfavorecidas, é uma excelente professora, mulher de projetos, mãe de família, avó meiga e acolhedora.
À que trabalha atrás de um balcão, sábados e domingos, ajuda nos tpc’s e não deixa faltar nada em casa.
À que gere consultório, corre consultórios, cuida dos filhos, dos pais, da irmã e tem um sorriso incrível.
À que tem noventas, viúva desde cedo, já perdeu um filho dos quatro que teve, não sabe ler nem escrever, mas não arquivou um pico de rancor pela vida dura que teve.
À que trabalha na caixa do supermercado, carrega, limpa, atura e ainda sorri.
À que deixou uma possível carreira confortável para ir cuidar de crianças doentes e desprotegidas em África.
À que luta contra a doença e tem sempre um sorriso para os filhos e marido.
À que vive sozinha, mas se preenche de mil vidas
À que limpa a casa dos outros como se fosse a sua.
À que está na maternidade a aquecer as mãozinhas da filha prematura,
À que luta na fisioterapia para recuperar de uma anestesia problemática, cara alegre e espírito agradecido.
Às mães de acolhimento de tantas crianças e jovens que foram deixados para trás.
Às mães que não abortaram e se deixaram ser protagonistas de novas vidas.
Às mães que abortaram, porque não sabiam mais e melhor.
Às que “pela inteligência ou pelo coração, pelo sonho ou pelo esforço, contribuíram para o bem da humanidade e para tornar a Terra maior” Adolfo Simões Muller
E por fim, à mulher que lê e que escreve, que oferece as suas luzes para que outras mulheres vejam melhor e façam melhor e ainda reencaminha textos meus para que sejam publicados por aí.
E mesmo por fim, às mulheres fixes que leem textos de outras mulheres, mesmo que banais e simplórios.
Hoje é o seu dia.