Estive na capitania dos portos vendo as possibilidades de me embarcar. O pessoal lá é barra limpíssima, e o oficial Agenor com quem falei garantiu que não haverá problemas pra conseguir um barco à Porto Velho. Só que tenho que ir lá todos os dias que puder, pela manhã, até aparecer quem queira me levar. Na capitania também conheci um senhor que tem dois filhos no abrigo de menores. Tem um jeito meio afeminado e é a cara do Mazzaropi.
O abrigo de menores fica a uns vinte minutos de jipe do centro de Manaus, lá para os lados do Tartarugão. O seu Generino é um mulato dos seus 50 anos, cabelos grisalhos e óculos, olhar sempre amigável. Faz as compras e todo o transporte do abrigo pra cidade e vice-versa, pego carona com ele. No abrigo tem também a dona Arminda, que cozinha e faz a limpeza.
Toco violão pra gurizada cantar, tem um curumim órfão de pai e mãe que canta muito bem. É o Japim, Alceu diz que ele é ótimo ator, vai ser a figura principal da peça de teatro que vamos montar. Alceu já me passou alguns textos para musicar, o primeiro é uma evocação da beleza da Amazônia, e deve abrir a função.
Qualquer dia
Eu vou morar num lugar
Lá onde pia
A jacurutu
E a lua prateada espia
Por trás dos ramos de um mulungu
Florido
Vestido com a beleza
Que a natureza
Somente cria
No verde denso das matas
Da Amazônia
A peça vai falar da vida na floresta e nas ribeiras amazônicas, me explicou Alceu, que quer incluir nela sua versão da lenda do guaraná.
As sementes do guaraná fazem lembrar Todos os dias ele saía
Os olhos de um menino brincalhão… Quando voltava trazia
E quem quiser saber disso a razão Uma cesta cheia
Feche os olhos que eu vou contar… E sua alegria
Era compartir com os amigos da aldeia.
Aguiry era um indiozinho batuta
O mais alegre da sua aldeia Certa vez Aguiry na mata se perdeu
Se alimentava somente de frutas E na floresta teve que dormir………..
Que na floresta colhia ………….……………………………….
E vai contar estórias baseadas em fatos reais da vida dos meninos do abrigo.
Vinha descendo uma lomba Hoje eu estou só no mundo
Pra casa que nós morava E é grande a minha mágoa
De longe vi a maromba Minha casa foi pro fundo
Que bem alta já estava Arrastada pela água
Era tempo de enchente
Tudo já estava alagado
E quando vi minha gente
Com o corpo encurvado
Meu coração disparou
E eu corri pelo ramal
Mas então se desatou
Um tremendo temporal
Na fúria o vento malvado
A casinha derrubou
Matando meu pai amado
E a mãezinha se afogou
Alceu é um cara muito especial, desprendido e comprometido até o fundo com o abrigo, que é seu projeto de vida, os meninos adoram ele.