“Na roda do mundo/ lá vai o menino. / O mundo é tão grande
e os homens tão sós. / De pena, o menino /começa a cantar. (As cantigas afastam as coisas escuras.) Mãos dadas aos homens, / lá vai o menino, na roda da vida/ rodando e cantando” (Vitor Fiuza).
Lá no final dos anos 1940, morando na Vila Scharlau, seguido vinha, com minha mãe, visitar os avós maternos. O ônibus era o melhor meio de transporte, porque passava na nossa localidade. O trem só no Rio dos Sinos.
Tempo de criança, que só sabia falar e cantar em alemão. O mais engraçado de tudo era que o pequeno infante não tinha vergonha de nada. Mal sentávamos, o veículo recomeçava andar, e o mocinho iniciava a cantoria, passando de banco em banco, ao olhar atento dos passageiros.
Ich bin klein,
mein Herz ist rein,
soll niemand drin wohnen
als Jesus allein.“
O engraçado em toda a história de uma vida são os conceitos de ordem psiquiátrica que envolvem a cada ser humano. Dizem que até os três ou quatro anos, praticamente de nada lembramos na vida, ao seu posterior seguir. Mas eu lembro, como se hoje fosse. O ônibus vinha lotado; minha mãe, comigo no colo, sentava nos últimos bancos do coletivo.
Não demorava muito, descia do colo e começava a circular pelo veículo e iniciava a cantoria – na verdade uma oração infantil. Por vezes encontrava alguém sabendo falar alemão e me indagava… Só não lembro o quê? Assim o ônibus seguia, até eu voltar ao colo da mãe e pegar no sono.
Tenho presente a barca do Passo do Manduca; lembro de quando com um pouco de mais idade, fui passear com o meu avô; não lembro para onde. Recordo, nitidamente, viajando na janela, começamos a passar o rio, através da barca. Empregados ofereciam Coca-Cola aos passageiros. Abri a janela, pedi uma e me pediram o dinheiro. Respondi: – O vô paga!
Até pode parecer, ao tempo em que estamos, escrito por um septuagenário e mais sete, esteja fantasiando lembranças de tempos de antigamente. Porém, com a mais pura higidez psíquica em que vivo, no momento, tudo aconteceu como narrei; lembrança a persistir comigo, por tantos e tantos anos.
Senhora minha mãe! Sempre comigo, a me levar pelos quadrantes da terra (espaço entre a Scharlau e Montenegro). Quanta saudades; quanto arrependimento pela carência de atenção. Hoje ela está comigo, sempre, em minha memória e no meu recordar.
Dizem que “ser mãe é sofrer no paraíso”, numa nítida alusão aos muitos cuidados que a criança exige. Sofrer por amar demais; vendo-se impotente ante a dor do filho! O sofrimento é sentimento universal. Para experimentá-lo basta ser mãe. Basta um simples raciocínio:
O universo que envolve o pequeno ser, ganha uma dimensão própria e totalmente original. A criança corporifica o próprio paraíso. A sua existência traduz um permanente estado de satisfação e de gratidão pela nova vida. A família se reencontra; o viver ganha um novo sentido e compromisso. Nascer implica um envolvimento de alcance incomensurável
O milagre da vida, da nossa continuidade e perpetuação, no ambiente em que vivemos, é algo mágico. Continuamos a caminhada; a vida impõe o permanente seguir. Eu continuo dizendo: “Ich bin klein”.