A língua portuguesa é muito imaginativa. Sobre uma coisa muito antiga dizemos que é do tempo da Maria Cachucha. Quem seria esta D. Maria? Não sabemos. Mas quando se diz «aquela não faz nada; só anda por aí a dar vivas à Cristina», sabemos muito bem que é esta Cristina: é Sua Majestade, a rainha da Suécia, que, no século XVII, foi a primeira governante a reconhecer D. João IV como rei de Portugal, terminado o domínio espanhol. Já caiu em desuso, mas ainda me lembro de ouvir dizer e acho que também dizia. Hoje diz-se mais «andar a dar água sem caneco»
Quando alguma coisa se fez com dificuldade, ou quando chegamos na última, dizemos «foi resvés Campo de Ourique». Esta é uma expressão lisboeta que lembra o terramoto de 1755. Como se sabe, o terramoto foi seguido de um maremoto, a que hoje se chama tsunami, e a água avançou pela cidade, chegando muito perto de Campo de Ourique, distante cerca de 10 km do Tejo.
Outra expressão de origem lisboeta é «meter o Rossio na Betesga». A Praça do Rossio é uma praça lindíssima, o coração de Lisboa, que nos anos 50 era ocupada pelas prostitutas. Houve um presidente da Câmara, cujo nome não sei, que quis acabar com isso, devolvendo à praça a sua dignidade, e lembrou-se da rua da Betesga, uma rua pequena, discreta, ali perto. O assunto era muito discutido nas reuniões da Câmara e os vereadores argumentavam-lhe com a pequenez da rua. Diziam-lhe: «mas como é que o senhor quer meter o Rossio na Betesga!?Não cabe.» Lá se resolveu a situação e as senhoras saíram mesmo do Rossio.
Outra expressão, também com origem em Lisboa é «ficar a ver navios» Tal como o dizer «resvés Campo de Ourique» tem a ver com um facto histórico. Ficar a ver navios tem igualmente a ver com a história. Quando Napoleão invadiu Portugal, a Família Real retirou-se para o Brasil, com a Coroa símbolo da Monarquia e todos os tesouros que conseguiu levar. O comandante das tropas francesas, O general Junot, ainda chegou a ver no Alto de Santa Catarina os navios portugueses que se iam afastando. E ali ficou a ver navios. Usa-se a expressão quando alguém não consegue o que quer. Há ainda outro dito que tem origem não na primeira invasão francesa, mas na segunda, quando o general Soult invadiu Portugal, entrando por Chaves, no Nordeste transmontano. Os portugueses opuseram resistência, formando guerrilhas, fazendo emboscadas, lutando com armas improvisadas. Os franceses ripostavam. Havia um comandante que tinha um braço amputado, a quem chamavam o Maneta, que se distinguia pela brutalidade e crueldade como matava. Daí ficar a expressão «olha que te mando pró Maneta», quando se quer ameaçar alguém.
E muitas mais expressões engraçadas: «isso são favas contadas», quando falamos de qualquer coisa que se resolve facilmente. Ou ainda, falando de dois malandros, «são farinha do mesmo saco» e por aí adiante. Não conheço noutras línguas tal imaginação a não ser no inglês que, quando chove muito, dizem que «chove cães e gatos». Mas também não tem grande graça.