A comunidade científica foi surpreendida esta semana pela notícia de que astrónomos do Vaticano (os jesuítas Paul Gabor, David Brown e Chris Corbally, juntamente com o engenheiro Michael Franz) descobriram alguns exoplanetas e que o padre Richard A. D’Sousa, também jesuíta, anunciou o lançamento de uma nave espacial do Vaticano.
Estas actividades têm pouco valor científico, mas surpreende que existam observatórios astronómicos promovidos pelo Vaticano. Desde quando a Igreja se dedica à astronomia?
Desde o início das universidades católicas se ensinou e investigou astronomia e por isso grandes descobertas se devem aos seus professores, alguns deles padres e bispos. No entanto, o interesse mais específico do Vaticano na astronomia teve origem em meados do século XVII, na sequência de um erro funesto.
Até então, os contributos mais importantes para a astronomia deveram-se a eclesiásticos católicos como Nicolau Copérnico, Jean Buridan ou Nicole d’Oresme. O trabalho de Copérnico é mesmo um dos maiores feitos científicos da humanidade.
Galileu, inscreve-se nesta lista. Foi considerado tão excepcional que a Santa Sé lhe pagava um duplo «benefício» (duas bolsas de investigação), quando o regulamento proibia que alguém recebesse mais do que um. O problema de Galileu surgiu quando as insistentes acusações, durante décadas, resultaram na sua condenação em 1633 a uma pena de prisão domiciliária. A sentença foi totalmente injusta, não tinha fundamento religioso e constitui uma vergonha na história da Igreja. Infelizmente, as tentativas de apagar o erro, agravaram-no.
Para fingir que não tinha havido um erro clamoroso, perseguiram-se muitas pessoas. Por exemplo, S. José de Calasanz, fundador de uma ordem religiosa, que foi quase suprimida na sequência do processo contra Galileu. Para atenuar a desonra da Igreja, um responsável dos Arquivos Vaticanos publicou as actas do processo, mas pouco depois soube-se que tinha publicado apenas as partes irrelevantes: o clamor contra a Igreja aumentou. Nos tempos da Revolução Francesa, a documentação foi roubada e levada para Paris, para a infâmia ser exposta ao mundo, mas, ao lerem o processo, os revolucionários descobriram que era de uma estupidez banal e desistiram de o publicar. Entretanto, a Santa Sé continuou a enredar-se em artifícios para justificar o injustificável. Aos poucos, foi retirando as obras de Galileu da lista de livros proibidos, com argumentos absurdos, para dar a entender que nunca tinha havido erro.
As tentativas de disfarçar a situação continuaram. O tema aparece nas discussões do Concílio Vaticano I e novamente no Concílio Vaticano II. Em 1944, Mons. Pio Paschini, responsável da Biblioteca Vaticana, terminou uma biografia de Galileu, em dois volumes, que foi rejeitada na altura, por o retratar demasiado bem. Viria a ser publicada em 1964, quando o Concílio Vaticano II se iniciava. O Concílio aproveitou-a para responder às críticas sem chamar a atenção: na Constituição «Gaudium et spes», manifesta apreço pela ciência, lamenta algum mal-entendido e refere, em nota de rodapé, sem mais explicações, essa biografia de Galileu. Pouco depois, soube-se que o editor tinha sido alterado o livro em centenas de frases importantes, sem se dar conta do facto. Como era de esperar, choveram críticas duras.
Foi para não reconhecer abertamente a injusta condenação de Galileu, que, desde o século XVII, a Igreja construiu observatórios astronómicos no Vaticano e depois em Castel Gandolfo e depois noutros locais. Apesar do investimento, não se repetiram descobertas astronómicas importantes como as que tinha havido até ao século XVII. No entanto, a Santa Sé nunca desistiu desta tentativa de convencer o mundo de que a Igreja é a favor da ciência. Ainda hoje, alguns padres, sobretudo jesuítas, continuam a fazer observações astronómicas.
Como manter em funcionamento observatórios astronómicos tradicionais é cada vez mais inútil, a «Specola vaticana» colabora com observatórios de outros países e subsidia projectos de investigação espacial. Por exemplo, o Vaticano ofereceu algum dinheiro para o programa espacial norte-americano. Estas liberalidades favorecem a imagem da Igreja?
Felizmente, o Papa João Paulo II declarou frontalmente, em 1992, num célebre discurso à Academia Pontifícia das Ciências, que o caminho justo era reconhecer a verdade. Na minha opinião, isso sim, acabou com uma vergonha de séculos.
O erro da condenação de Galileu faz lembrar o crime, mais grave, de quem abusou de crianças. Felizmente os bispos estão decididos a erradicar completamente os culpados e a vigiar para que jamais alguém se atreva a tocar nos rapazes dos seminários ou de outros ambientes.
Ao mesmo tempo, custa ver acusações anónimas contra padres inocentes. Condenar um padre sem conhecer a vítima, nem o eventual crime, nem sequer o acusador, é uma infâmia. Porque isso não é reconhecer um mal, é cometer uma injustiça.