Jean-Jacques Rousseau nasce e morre no século XVIII, ele vive de 1712 a 1778. Tais datas são particularmente marcantes porque este é o chamado século das Luzes. Não é fácil resumir em poucas palavras essas décadas que mudaram o mundo. O Iluminismo perturbou uma Europa cheia de reis, rainhas e perucas, e iniciou a queda dessas monarquias; os historiadores divergem sobre exatamente quando começou a “Era do Iluminismo”, mas frequentemente muitos indicam o fim do reinado de Luís XIV na França, em 1715. É neste contexto que nasceu a corrente filosófica, cultural e científica, que mais tarde se chamaria “O Iluminismo”, para evocar a luz trazida ao homem pelo conhecimento. O homem “iluminado” do século XVIII distingue-se assim de seus predecessores, que permaneceram nas trevas. Muitos filósofos e escritores brilharam durante este período: Rousseau, claro, mas também Montesquieu, Voltaire, Diderot, Beaumarchais e d’Alembert. Simultaneamente, cientistas como Bernoulli, Euler Laplace, Condorcet, Lavoisier ou Lamarck avançam no conhecimento em seus respectivos campos, seja matemática, astronomia, química ou física.
Ao mesmo tempo, os conceitos de liberdade, igualdade e democracia assumem todo seu significado; fala-se deles em espaços públicos como tribunais europeus, salões literários, salas de leitura, teatros e casas de ópera. É neste contexto que se enquadra a obra de Jean-Jacques Rousseau, um criador como escritor, como músico, botânico ou sendo o “sonhador solitário” (como em seu livro “Os devaneios do andarilho solitário”, de 1776-78). Naquele século de intensas convulsões, Rousseau esteve presente na conscientização social, na elaboração política, assim como na sensibilização literária; seu universo assombrado pelo devaneio, a contemplação da natureza, o gosto insular e a solidão marcaram de fato a literatura até do século seguinte, a tal ponto que Rousseau é geralmente considerado como um dos precursores do romantismo.
Quanto ao pensamento e à influência de ideias exercidas por Rousseau, podemos dizer que ele é um filósofo do Iluminismo, devido ao caráter revolucionário de suas ideias, mas também destacamos que ele se opõe à tendência de confiança no progresso de seu tempo. Esse paradoxo que anima todos os seus escritos se aplica à moral, à política, à educação e à religião; trata-se de um ideário constante, a saber, a natureza é o fundamento e o princípio ao qual o autor constantemente se refere. A influência das ideias de Rousseau será muito clara na doutrina política revolucionária, mas também persistirá ao longo do século XIX em todas as ciências humanas.
Em seu “Ensaio filosófico sobre a origem e os fundamentos da desigualdade entre os homens”, de 1755, Rousseau estabelece as bases de seu sistema de pensamento; ele explica como o homem, naturalmente bom, é corrompido pelas instituições sociais e, partindo da descrição de um estado de natureza mais ou menos mítico, fantástico ou imaginário, Rousseau apresenta as diferentes instituições como foram gradualmente organizadas. A partir daí, a noção de propriedade surge como ponto de partida da sociedade civil, a qual gera no homem a necessidade de defender o seu território, de se impor pela força, se necessário, para preservar a riqueza acumulada.
Mais adiante, em 1762, Rousseau apresenta seu “Contrato social ou princípios do direito político”, uma obra de filosofia política, a qual constituiu uma virada decisiva para a modernidade e que se consolidou como um dos principais textos da filosofia política e social, ao afirmar o princípio da soberania do povo com base nas noções de liberdade, igualdade e vontade geral. Mais adiante, a aparição do luxo e a sedução do poder produzem novas necessidades, ou seja, as leis se tornam necessárias para manter a ordem e a organização social.
Alteramos um pouco nosso roteiro, e passamos a dedicar algumas linhas sobre um texto romântico de Rousseau considerado por especialistas como uma de suas obras mais significativas, “Júlia ou a Nova Heloísa”, publicada em fevereiro de 1761 (há 262 anos, portanto)! “Júlia ou a Nova Heloísa” é um romance epistolar várias vezes reeditado, foi um dos maiores sucessos de livraria do final do século XVIII, revelando assim o lugar dado à sensibilidade no Iluminismo. Originalmente intitulada “Cartas de dois amantes, habitantes de uma pequena cidade no sopé dos Alpes”, “A nova Heloísa” é inspirada na história de dois enamorados reais, onde a paixão amorosa é superada para dar lugar à renúncia sublimada.
Os amantes de romances puderam ver nele um mito, que pode acomodar os valores mais profundos do romantismo. Apesar de a obra ser apresentada nesse gênero romântico, ela também assume a forma de uma meditação filosófica na qual Rousseau expõe sua visão de autonomia, bem como uma ética de autenticidade, preferida aos princípios morais racionais. A concretização do que a sociedade exige só se fará de acordo com os seus próprios “princípios secretos” e os sentimentos que constituem a identidade profunda. “Júlia ou a Nova Heloísa” transita entre a literatura e a filosofia, mas cujas fronteiras desaparecem e se tornam espaços imbricados internamente; podemos defini-la como “o romance do pensamento de Rousseau”.
Dessa forma, “Júlia ou a Nova Heloísa” nos permite alcançar uma leitura que não se limita ao inteligível, mas nos leva a uma experiência sensível. E, via de consequência, por isso terminamos nossa modesta exposição sobre Rousseau convocando à leitura de dois jovens apaixonados que se qualificam como dois cidadãos exemplares entre conceitos de racionalidade que não desmerecem, jamais, a sensibilidade dos mesmos. O pensamento de Jean-Jacques Rousseau permanece atual, 300 anos depois de seu nascimento!