A propósito de alguém que quer dar opiniões sobre tudo, esteja ou não dentro do assunto, sobretudo quando não percebe nada do assunto, costumamos dizer: não passe o sapateiro além da chinela. Ora donde vem isto? De muito longe. Nada mais nada menos que 362 anos antes de Cristo, portanto, quase dois milénios e meio. Estamos na Grécia, no tempo de Alexandre Magno, o grande conquistador, criador de um dos maiores impérios, que se estendia pelo norte de África e pela Ásia até à Índia. Amante das Letras e das Artes, apreciava muito Apeles, o maior pintor da Antiguidade, que visitava frequentemente na sua oficina. Apeles pintou-o assim como tinha pintado o seu pai, o rei Filipe da Macedónia, pintando também os generais de Alexandre.
Todas essas pinturas se perderam, tendo nós conhecimento delas através de escritores e historiadores. Nos seus princípios como artista, Apeles, querendo conhecer o que as pessoas pensavam dos retratos que pintava, colocou um deles em exposição num alpendre e escondeu-se atrás de uma cortina que colocou por trás da pintura e sentou-se a ouvir os comentários das pessoas que passavam. Passou um sapateiro, que olhou atentamente o retrato, e reparou que a chinela se abotoava com um botão, mas faltava-lhe a casa. Fez este reparo em voz alta; Apeles ouviu e tomou nota. No final do dia, reparou o defeito, pintando a casa que faltava.
No dia seguinte, voltou a expor o retrato, o sapateiro voltou a passar, viu o defeito corrigido, sentiu-se orgulhoso e achou que a perna do retratado não estava bem pintada. Aí, Apeles saiu de trás da cortina e disse a frase que ficou famosa: não passe o sapateiro além da chinela. E já que estamos na Grécia, de lá nos veio também outro dito, referente a uma situação de espionagem: parece que temos aqui um cavalo de Troia. Troia era uma cidade situada no Sul do que é hoje a Turquia. Cerca de 1200 anos antes de Cristo, era uma cidade rica, cuja situação geográfica lhe permitia dominar as rotas comerciais da costa oriental mediterrânica. Por isso, muito cobiçada pelos outros povos, especialmente pelos gregos. Era difícil de ser tomada, pois era cercada por muralhas consideradas inexpugnáveis. Mas os gregos uniram-se a outros povos e, ao fim de anos de luta, Troia caiu. Esta foi a realidade histórica.
No século VI antes de Cristo, Homero conta esta guerra, atribuindo a causa ao rapto da bela Helena, mulher de Menelau, rei de Esparta, uma das cidades da Grécia, por Páris, príncipe troiano, que a leva para Troia. Menelau, enfurecido, reúne um exército e cerca Troia. A guerra dura 10 anos, com lutas medonhas entre gregos e troianos sem se conseguir um desfecho. Então, Ulisses, rei de Ítaca, uma das ilhas gregas que também participa na guerra, tem a ideia de fabricar um gigantesco cavalo em madeira, oco por dentro, onde se esconderam 40 guerreiros. Contactam Príamo, rei de Troia, para lhe oferecerem um cavalo, sinal da sua rendição.
Príamo, ignorando a opinião dos seus conselheiros que lhe diziam: temo os gregos e as suas oferendas, aceita a oferta e abre as portas da cidade para receber o cavalo. A meio da noite, saem os 40 soldados e abrem as portas das muralhas. Entra o exército grego que chacina todos os habitantes, derrubam as muralhas e finalmente a guerra termina ao fim de 10 anos. Menelau recupera Helena, mas repudia-a e condena-a ao exílio. A frase usada pelos conselheiros do rei Príamo, também ainda hoje é usada quando alguém desconfia de uma oferta vantajosa. É citada normalmente em latim, porque a guerra de Troia também foi cantada pelo poeta romano Vergílio, no século I antes de Cristo. Aqui vai a frase em latim: Timeo Danaos et donna ferentes.