Por volta das oito horas chegamos na foz do rio Madeira e Laurindo me informou que tinham sido 160 quilômetros pelo rio Amazonas, de Manaus até ali. E da foz até Porto Velho serão 1100 quilômetros subindo o rio.
Somos oito no barco, que deve ter perto de vinte metros de comprimento por uns quatro e tanto de boca. O dono é o sr. Ferreira, paraibano cinquentão, tez bronzeada e olhos esverdeados – um é de vidro -, que veio para a Amazônia como soldado da borracha, na segunda guerra mundial.
Ele divide o comando com o prático da viagem, o sr. Santero, um manauara seco de corpo e de expressões.
Quando o barco avança eles estão na cabine do timão, conversam animadamente e quase tudo o que falam tem a ver com o rio, como percebi.
O controle e manejo dos motores está a cargo de Totonho, um baiano de corpo robusto e muito compenetrado em tudo o que faz. A casa de máquinas está ao nível dos porões, numa posição central próxima à popa.
A pequena tripulação de um barco amazônico é negociada na capitania dos portos, também o cozinheiro.
Cozinheiro e tripulantes não costumam trabalhar sempre no mesmo barco. De modo que esses embarcadiços vivem pulando de barco em barco.
E o cozinheiro da nossa viagem coincidiu ser o mesmo senhor com quem bati um papo na capitania em Manaus, que tem dois filhos no abrigo.
Adauto e Piqueno são os outros dois tripulantes, são amazonenses.
Laurindo me lembra um pouco o João Policarpo, de Macau.
É muito mais jovem e fisicamente não se parecem, mas tem o mesmo tipo de nordestino intelectual.
E o mesmo fogo no olhar, quando se põe a falar de algum tema mais profundo.
Passamos a tarde conversando, me mostrou os livros que trouxe consigo, eu mostrei os meus. Me passou muitas informações sobre a vida na Amazônia ocidental.
Na contracapa do livro de relatos que me emprestou ele escreveu alguma coisa sobre a viagem que fez ao longo do Purus, sua primeira na Amazônia.
“A leitura do Euclides da Cunha foi o que me fez vir aventurar nesta região.
Ele foi chefe da Comissão de Reconhecimento do Alto Purus, em 1905. E denunciou a exploração dos trabalhadores nos seringais, na sua maioria nordestinos.
O rio dá voltas e mais voltas (meandros). A chata vai parando pra recarregar lenha (empurrar chifre).
Tapauá, terra da tartaruga com passo de gigante. Ôco do Mundo.
Arapixi, temporal arrasou com tudo.
Águas brancas, argila clara em suspensão. O rio forma muitas pequenas ilhas.
Muito peixe, matrinxã, aruanã, mandim, tambaqui e outros.
Metade dos barcos que abastecem Manaus vem do Purus.
Casas flutuantes. Regatões.
Em Canutama. Velho morador fala dos tempos das guerras com os índios Jumas, comedores de gente.
Povo gigante, dos pés grandes. Vieram uns peruanos e fizeram uma matança deles no rio Jacaré.
Se pagava bastante por uma orelha de índio.
Labrea. A cidade nasceu de uma leva de imigrantes do Nordeste, no auge da borracha.
Boca do Acre foi fundada por cearenses que vieram trabalhar nas seringueiras.
Agora estão construindo a cidade nova, no Platô do Piquiá, terra firme onde a enchente não chega.
Nunca vou me acostumar por aqui. É pium demais da conta, inundações, miséria, doença.
Mas o nordestino continua firme na missão de povoar esta rica região amazônica.
No final havia um poema.
Essa água aonde vai
Me levando pelo mundo
Quero encontrar meu pai
É meu desejo profundo
Vou fazer uma limpeza
No amor tudo é verdade
Esta é a minha certeza
Trilha da felicidade
A força que tem
A bebida sagrada
Faz mostrar o além
Na floresta iluminada
Quando perguntei se o poema era dele, Laurindo disse que não, é um cântico de uma comunidade religiosa em que ele se integrou.