(Texto enviado por Maria Susana Mexia)
Ao Professor Doutor Marcelo Rebelo de Sousa
Digníssimo Presidente da República Portuguesa
Palácio de Belém – LISBOA
Mais uma vez vimos junto de Vossa Excelê Pncia manifestar o nosso profundo repúdio perante a possível e socialmente trágica despenalização da eutanásia e do suicídio assistido em Portugal, dirigindo à sua consciência de católico um angustiado e derradeiro apelo.
A nova proposta de lei, que acaba de lhe ser apresentada para assinar, já teve uma primeira tentativa reprovada, um veto de Vossa Excelência e duas respostas negativas no Tribunal Constitucional. A este longo e ideologicamente obstinado historial – senão mesmo obsessivo – acresce que o teor e o texto da lei quase não foram conhecidos do grande público nem da Comunicação Social. Muito menos se cogitou em consulta popular e sequer se ouviram as opiniões científicas ou técnicas de especialistas.
Considerando a forma como uma matéria desta gravidade foi tratada nas duas investidas anteriores e em mais esta agora também, pode-se perguntar se Portugal ainda é um Estado de Direito e se estão a ser cumpridas as regras desta democracia à qual Vossa Excelência preside.
Mas estas são «apenas» algumas questões políticas e sociais relacionadas com o tema.
Muito mais grave, Senhor Presidente, é a questão de consciência que se levanta para a grande maioria dos portugueses e que deveria também levantar-se para Vossa Excelência, principalmente em vista das suas convicções católicas, tão bem patenteadas durante a campanha eleitoral que resultou na escolha de Vossa Excelência para Supremo Magistrado da Nação e derradeiro responsável pelos destinos dela e de todos nós.
Permita-nos recordar, Senhor Presidente, que o 5º mandamento da Lei de Deus proíbe matar injustamente o nosso semelhante e também proíbe que alguém se mate, por ser um acto de desprezo para com Deus, a Quem devemos o dom da vida. É ainda um acto de desdém pela própria sociedade, para cujo bem todos podem e devem contribuir.
O dom da vida não é incondicionalmente disponível, nem por outrem nem pelo próprio. Negá-lo é votar a sociedade à sua autodemolição, equivalendo a um suicídio social e real. Tampouco é lícito abreviar directamente a vida de alguém para «acabar com os seus sofrimentos». Diz São Tomás de Aquino que, desse modo, se estaria a violar direitos intangíveis como o direito ao aperfeiçoamento individual no tempo restante de vida natural, sabendo que um dos factores de progressão no aperfeiçoamento desta vida terrena consiste não apenas em suportar com resignação o inevitável sofrimento como em ajudar quem sofre a suportá-lo resignadamente.
A eutanásia, praticada por povos primitivos, foi abandonada logo no advento do Cristianismo, há mais de dois mil anos, sendo hoje rejeitada pela quase totalidade dos países do Mundo. A sua aprovação, portanto, seria um vergonhoso retrocesso civilizacional que aproximaria o Estado português de obscuros regimes totalitários – nazis, estalinistas ou quejandos – também eles promotores da eufemística «morte medicamente assistida».
Perante tudo isto, Senhor Presidente, mais uma vez lhe dirigimos um apelo derradeiro e veemente, mas também confiante: está nas mãos de Vossa Excelência opor o veto presidencial a esta lei injusta e, sobretudo, utilizar todo o seu decisivo peso institucional, podendo e devendo invocar a objecção de consciência para rejeitar esta ignomínia.
Deus Nosso Senhor julgará individualmente cada um dos parlamentares que deram o seu voto a favor da eutanásia, mas julgará, com rigor ainda maior, o Presidente da República que não tiver usado os seus poderes para inviabilizá-la. Se Vossa Excelência não for fiel ao cristianismo que professa e aos sentimentos e convicções da maioria do povo português, terá certamente o aplauso da esquerda e de alguns sectores minoritários, mas irá depois responder diante do tribunal dos eleitores que confiaram na sua orientação cristã, diante do tribunal da História e, por fim – bem mais grave e que a todos deveria causar justo tremor – diante do inexorável Tribunal de Deus, já nesta vida como definitivamente na outra.
Com respeitosos cumprimentos,
A Direcção do Instituto Português de Estudos Contemporâneos – IPEC
Coimbra, Abril de 2023