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Será que muito dinheiro modifica as pessoas? Em 1995 a Comissão dos 500 anos do nascimento de S. João de Deus, o especialista da pobreza, Bruto da Costa, no Culturgest, em Lisboa, chocou com a resposta à pergunta: porque há pobres? Com a resposta doutro investigador, respondeu: “porque há ricos”. Hoje diria: porque há mega ricos sem empatia pelos pobres. Engrandecidos nos media, TV, jornais, etc., atribuem quase sempre o dinheiro ao seu talento e qualidades morais e desconsideram os de classe baixa. Não vamos cair no erro de considerar que os muito ricos são todos egoístas, insensíveis e duros para com os de estatuto social modesto e os pobres. As investigações de psicologia social dos últimos anos, porém, têm acumulado dados que mostram que mais dinheiro leva a mais indiferença pelos outros.
As heranças familiares iniciam neles o enriquecimento e a aquisição de traços de personalidades arrogantes e insensíveis às necessidades de pessoas de classe inferior, pobres e miseráveis. O artigo notável de Lisa Miller (cf. Lisa Miller in https://nymag.com/news/features/money-brain-2012-7/; em 17.04.2023), é bastante elucidativo sobre as múltiplas investigações e conclusões da relação entre o muito dinheiro de uns e a progressiva indiferença deles face aos problemas de pobreza e da miséria que devora cada vez mais milhões de pessoas em países pobres e ricos. E não faltam indícios de que é, também, nos mega ricos que se observa mais corrupção e imoralidade, como transpiram as notícias quotidianas. Levam as sociedades humanas a manter sistemas de exclusão e abandono dos elos mais fracos e pobres. A exclusão funciona à base de antipatias e preconceitos pautados pelos níveis de dinheiro que os muito ricos acumulam para serem os mais endeusados.
O domingo da Oitava da Páscoa dedicado à misericórdia, a de Deus para com os pecadores e à dos perdoados para com outros pecadores. A primitiva comunidade cristã descrita nos Atos dos Apóstolos vivia em oração, partilha do pão, unida, dividindo os bens e o dinheiro segundo as necessidades de cada um (cf. At. 2, 43-45), quase o oposto das sociedades atuais com exceção de algumas manchas de vida humana ética e cristã a sério. Pode perguntar-se como era possível? Pela conversão cristã aceitavam a igual dignidade de todos, associada ao dom da misericórdia e perdão, recebido e dado. O Evangelho e os exemplos de Jesus mostram o “sistema social” inclusivo modelo. Constitui uma teo-antropologia, de Deus e do homem, que não deixava ninguém de fora nem roubava a dignidade humana aos mais fracos.
Neste sentido contraria tantos sistemas e teorias humanas, de direita e de esquerda, comunistas e nazistas, totalitárias ou de liberalismo selvagem, tecidas de rejeição e desprezo. Uma ideologia massifica as pessoas, a outra, à maneira de Nietzsche, exclue fracos e doentes; e inspirou outros filósofos a defender a sustentabilidade da espécie humana deixando morrer os deficientes, doentes e pobres. As duas correntes alastraram e liquidaram mais de 100 milhões, a primeira; a outra mais de dez milhões entre judeus, doentes, deficientes e ciganos para purificar a raça ariana e deixar só os saudáveis e fortes.
O Evangelho proclama que ajudar os doentes e pobres é relação de irmãos com a mesma dignidade, a quem se perdoa e ajuda. A maior pobreza a que se sujeitam os pobres é a privação da sua dignidade humana por aqueles que os tratam sem empatia e respeito, e os considerem indignos de serem socorridos. Aqueles investigadores de psicologia social da universidade de Berkley, e doutras, têm vindo a demonstrar que se todos podem ser insensíveis às pessoas de estratos sociais mais baixos, são, no entanto, os muito ricos que sobem mais nas escalas da indiferença e frieza para com os elos mais fracos. E precisamente em proporção com o dinheiro que acumulam.
Os dados impressionantes destas investigações têm antecedentes em Aristóteles, em Cristo e na história de usurários. Os males do dinheiro pelo dinheiro emergem nas questões da fuga aos impostos, lavagem de dinheiro, enriquecimento ilegal e negócios sujos. Cristo foi claro: é mais fácil entrar um camelo pelo fundo de uma agulha que o um rico entrar no reino de Deus…Resta esperar que, por fim, se limpe e arrume a casa comum da humanidade e se mobile com a empatia e justiça social. Por isso, acabei de assinar um pedido ao Grupo dos 20 (G20) para que os mega ricos paguem os impostos que devem aos milhões de pobres do mundo.
Funchal, 19 de Abril de 2023