O que é a chamada “última flor do Lácio”? O que ela significa? Esta assim chamada “última flor” é a língua portuguesa, considerada a última das filhas do latim. Refere-se ao fato de a língua portuguesa ser a última língua neolatina formada a partir do latim vulgar, aquele falado pelos soldados da região italiana do Lácio. A propósito, hoje em dia, o território do Lácio reúne aproximadamente cinco milhões de habitantes, trata-se de uma extensão central e é uma das principais portas de entrada da Itália, estando ali localizada a capital Roma. Pois bem, a partir dessa “última flor do Lácio”, vamos nos dedicar a expor um pouco do talento de um grande escritor brasileiro, mesmo que ultimamente esteja um pouco relegado; falamos de Olavo Bilac, nascido no Rio de Janeiro, em 1865 e morto na mesma capital federal do país, em 1918.
Foi jornalista, poeta, inspetor de ensino e representante máximo do parnasianismo, escola literária surgida no Brasil no século XIX, na década de 80. Olavo cursou até o quarto ano da Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro, e em São Paulo, iniciou o curso de Direito, que também não concluiu. Daí em diante, dedicou-se ao jornalismo e à literatura, engajando-se em campanhas cívicas e na política, sendo, inclusive, o autor da letra do Hino à Bandeira. Entretanto, seu interesse pela política rendeu-lhe desafetos: em virtude da perseguição que sofria por parte do então presidente, o Marechal Floriano Peixoto – ao qual ele se opunha – escondeu-se em Minas Gerais e, quando regressou ao Rio de Janeiro, foi preso.
Mais adiante, em 1891, foi nomeado oficial da Secretaria do Interior do Estado do Rio; também foi um dos fundadores da Academia Brasileira de Letras, em 1897, tendo criado a cadeira de nº 15, cujo patrono é o escritor e poeta Gonçalves Dias. Posteriormente, em 1898, assumiu o cargo de inspetor escolar do Distrito Federal, do qual se aposentou pouco antes de falecer, em 28 de dezembro de 1918. O autor publica seu primeiro livro em 1888, intitulado “Poesias”; ao lado de nomes como Alberto de Oliveira e Raimundo Correia, Bilac defende veementemente a estética parnasiana, cujas principais preocupações são o formalismo, o culto ao estilo, a linguagem elaborada, o vocabulário rebuscado e hermético, suas referências à cultura greco-romana, sua preferência por estruturas fixas – como o soneto – e sua descrição visual bem detalhada; o autor é adepto dessa escola poética que cultiva a objetividade e a perfeição da forma, em reação ao lirismo dos românticos.
Ele foi o mais popular poeta parnasiano e também um dos autores mais lidos a sua época. Eleito “Príncipe dos Poetas Brasileiros” em um concurso literário, Bilac ainda hoje desperta o interesse de leitores, já que representa com maestria a estética do parnasianismo. Nas duas primeiras décadas do século XX, seus sonetos de chave de ouro eram decorados e declamados em toda parte, nos saraus e salões literários comuns na época. Bilac editou mais de vinte obras entre poemas, crônicas, textos teatrais e até literatura infantil. Destacamos “Poesias” (1888), “Crônicas e novelas” (1894), “Crítica e fantasia” (1904), “Conferências literárias” (1906), “Dicionário de rimas” (1913), “Tratado de versificação” (1910), “Ironia e piedade, crônicas” (1916), “Tarde”, (1919), “Poesia”, organização de Alceu Amoroso Lima (1957), e obras didáticas. Nas “Poesias” encontram-se os famosos sonetos de “Via Láctea” e a “Profissão de Fé”, na qual codificou o seu credo estético, que se distingue pelo culto do estilo, pela pureza da forma e da linguagem e pela simplicidade como resultado do lavor.
Considerado como sua obra-prima, “Profissão de fé” é um exercício de metalinguagem, o que significa que a linguagem ali utilizada serve para descrever a outra linguagem, a saber, agora, a da expressão poética que nos comunica a poesia. (…) Invejo o ourives quando escrevo: / Imito o amor / Com que ele, em ouro, o alto relevo / Faz de uma flor. // Imito-o. E, pois, nem de Carrara / A pedra firo: / O alvo cristal, a pedra rara, / O ônix prefiro. // Por isso, corre, por servir-me, / Sobre o papel / A pena, como em prata firme / Corre o cinzel. //Corre; desenha, enfeita a imagem, / A ideia veste: / Cinge-lhe ao corpo a ampla roupagem / Azul-celeste. // Torce, aprimora, alteia, lima / A frase; e, enfim, / No verso de ouro engasta a rima, / Como um rubim. // Quero que a estrofe cristalina, / Dobrada ao jeito / Do ourives, saia da oficina / Sem um defeito: // E que o lavor do verso, acaso, / Por tão subtil, / Possa o lavor lembrar de um vaso / De Becerril. (…) O que lemos é a narrativa do autor que compara seu poema a uma joia preciosa, a qual deve ser burilada “sem um defeito” para que ela seja entregue ao leitor como uma “profissão de fé”, como o resultado do “trabalho de sua vida”. Quanto a “Via Láctea”, destacamos: “’Ora (direis) ouvir estrelas! Certo / Perdeste o senso!’ E eu vos direi, no entanto, / Que, para ouvi-las, muita vez desperto / E abro as janelas, pálido de espanto… // E conversamos toda / a noite, enquanto / A Via Láctea, como um pálio aberto, / Cintila. E, ao vir do sol, saudoso e em pranto, / Inda as procuro pelo céu deserto. // Direis agora: “Tresloucado amigo! / Que conversas com elas? Que sentido / Tem o que dizem, quando estão contigo?” // E eu vos direi: “Amai para entendê-las! / Pois só quem ama pode ter ouvido / Capaz de ouvir e de entender estrelas.”
Completamos ao afirmar que ao lado do poeta lírico há também, em Bilac, um poeta de tonalidade épica, de que é expressão o poema “O caçador de esmeraldas”, celebrando os feitos, a desilusão e a morte do bandeirante Fernão Dias Paes. Alguns anos mais tarde, os poetas parnasianos seriam o principal alvo do Modernismo. Apesar da reação modernista contra a sua poesia, Olavo Bilac tem lugar de destaque na literatura brasileira, como dos mais típicos e perfeitos dentro de sua arte. A grandeza de sua inteligência alastra-se a vários setores, ele foi igualmente um notável conferencista, numa época de moda das conferências no Rio de Janeiro, e também tradutor do francês e do alemão. Salve Olavo Bilac, esse grande talento brasileiro que – em uma época de carência humana – possibilitou-nos “ouvir estrelas”!