Há muito que este tema me toca profundamente. Agora que estamos em maio e tantos peregrinos caminham para Fátima, gostava de partilhar convosco uma história verídica, que durante demasiado tempo guardei apenas para mim, mas que mais tarde, comecei a contar às minhas alunas e amigos…e só passei ao papel em 2005, no dia da morte da Irmã Lúcia. Transcrevo parte do que então escrevi:
(…) Como muitos sabem, as aparições de Fátima, tal como em tantos outros lugares do mundo – muito embora não sejam dogma de Fé – têm “ tocado” muitas vidas, e ocasionado verdadeiros “ milagres”, não tanto no sentido de curas de doenças físicas, que também tem havido, mas sobretudo influenciando benéfica e inexplicavelmente a vida de muita gente. Disso vos queria falar!
Corria o ano de 1978. No dia 31 de agosto, fui pela primeira e única vez na minha vida, aos EUA, ao encontro de meu Marido, oficial de Marinha, que aí estava a frequentar um curso. A viagem foi perfeitamente decidida e reservada à última hora, levando comigo o meu filho mais velho, então com cinco anos. Ao entrar no avião, dirigimo-nos aos nossos lugares, onde já estava um estrangeiro sentado à janela. Ao ouvir o meu filho perguntar-me se não podia ir antes à janela “ para ver se lá em baixo havia tubarões” quando estivéssemos ‘a cair ‘, o estrangeiro sorriu, falou-nos num português com sotaque americano, ofereceu-lhe o seu lugar e assim ficámos os três em lugares diferentes dos previstos. Ao longo das cerca de sete horas de viagem até NY, donde nós partiríamos depois para Newport, Robert N. contou-me toda a sua vida.
Vivia em Portugal há vários anos, mais exactamente numa aldeia, Moita. Órfão, fora educado na América, numa instituição de freiras, donde saíra pelos 16 anos. Depois fizera um pouco de tudo, esquecendo por completo a educação recebida. Solteiro, jovem, grande apreciador da beleza feminina, andava pelos concursos de “misses”, saltando de paixão em paixão, vivendo uma vida boémia. No entanto, conforme me contou, uma rotina nunca deixou de manter: a visita semanal a uma instituição de crianças deficientes, das quais cuidava e com quem brincava durante o dia da sua folga.
Certo dia- trabalhava então na Força Aérea Americana- ao entrar num avião, queixou-se a um colega de uma terrível dor de cabeça. Vacilou e pouco depois, caía por terra. Levado ao hospital de imediato, foi-lhe diagnosticada uma grave meningite. Entrou em coma e ficou hospitalizado longos meses. Quando finalmente voltou a acordar, sem forças, sem capacidade de andar ou sequer de se pôr de pé, reparou que alguém lhe pusera sobre a mesa-de-cabeceira, uma pequena imagem, de que ele nunca ouvira falar. Quis saber quem era e por fim, alguém lhe falou num país, Portugal, e numa terra, Fátima, onde se dizia que Nossa Senhora tinha aparecido. Lentamente, a fé adormecida e um desejo intenso de voltar a ter saúde levaram-no a acarinhar o sonho de, um dia, se voltasse a ficar bem, vir a Portugal, conhecer Fátima, de que passara a ter apenas uma imagem como referência e companhia. Assim aconteceu. Mais de um ano depois, Robert N. conseguiu cumprir o seu sonho. Veio a Portugal, integrado numa excursão de americanos, de que ele era o mais jovem.
Na Cova da Iria, pela primeira vez, ouviu a história daquelas três crianças, Jacinta, Francisco e Lúcia, e profundamente tocado pela mensagem da Senhora e pelo testemunho das três crianças, envergonha-se do seu passado e resolve mudar de vida. No regresso a Lisboa, para partir no dia seguinte para os EUA, fica alojado numa pensão residencial modesta, na zona da Praça da Alegria, e ao deitar-se só pensa em como gostaria de ficar para sempre a viver em Fátima. Ajoelha aos pés da cama e pede a Nossa Senhora um sinal. Que deverá fazer?
Nessa noite, inesperadamente, deflagra um incêndio na pensão, todos os hóspedes vêm para a rua e entre os danos sofridos, Robert N. perde os poucos haveres e o próprio passaporte, o que o obriga a ficar mais uns dias no nosso país. Aproveita, e com apoio da sua Embaixada, que lhe empresta dinheiro para prolongar a estadia até ter documentos, Robert volta a Fátima e diz a Nossa Senhora: Agora sei que queres que eu aqui fique!
Então, procura um local para viver, seguro de que é esse o caminho a seguir. Quer ajudar a divulgar a mensagem de Fátima. Volta aos EUA finalmente, para ultimar os preparativos e alguns meses mais tarde vem definitivamente para Cova da Iria. Acaba por construir com as suas mãos a casa de pedra onde vive solitário e modestamente (ou vivia ainda há pouco tempo, quando lhe falei pela última vez), num terreno que adquiriu na Moita Redonda, perto do Santuário. A partir de então passou a dedicar-se exclusivamente à oração, à causa da beatificação dos dois pastorinhos, Jacinta e Francisco e à divulgação da mensagem, ajudando o Padre Kondor, de nacionalidade húngara.
No final da nossa viagem encheu-me de pagelas em inglês com a foto e a história das duas crianças, Jacinta e Francisco, e pediu-me que as distribuísse por onde passasse. Senti-me abalada. Anos mais tarde, a partir de um ou dois dados que recordava da nossa viagem, escrevi para Fátima, fui procurá-lo, encontrei-o na Capelinha e voltei a faze-lo ainda uma e outra vez, querendo confirmar o que agora vos relato. Fui também pedir-lhe orações por gente amiga em grande aflição, ciente de que aquele era um homem Bom capaz de ajudar pela oração quem dele se acerca. Claro que ele não se lembrava de mim. Eu sim…como poderia esquecer aquela viagem?
Curiosamente, disse-me que aquela tinha sido a última vez que tinha tido de ir aos EUA, fazer prova de vida anual para receber a pensão a que tinha direito! (Depois passou a ser suficiente tratar de tudo na Embaixada aqui em Portugal).
Para ele foi a sua última ida aos EUA, para mim foi a primeira e única… e um grande
privilégio viajar ao lado de um convertido de Fátima..
Jacinta, Francisco e Lúcia levaram-lhe a mensagem da Virgem Nossa Senhora e mudaram o curso da sua vida. Como a tantos outros.
Robert Nesnick, de seu nome, tem feito o mesmo a muita gente.
“Como uma pedra lançada a um lago, que vai produzindo círculos sucessivos”.
Na verdade todos fazemos parte da imensa família humana, por isso de cada vez que nos cruzamos nas estradas da vida podem dar-se acontecimentos extraordinários, entre os quais aquilo a que os crentes milagres, porque a transformação do coração é efetivamente uma Graça inexplicável aos olhos humanos…
Como os “links” da Internet que nos podem levar a “sites” maravilhosos e a fantásticas descobertas, assim acontece com as pessoas que se cruzam connosco e nos desvendam paisagens do espírito. Há encontros decisivos e transformantes. (…)
Robert Nesnick faleceu há alguns anos. Um sacerdote de Fátima telefonou-me, algum tempo depois, para me dar a notícia. Os seus restos ficaram no cemitério de Fátima, onde já pude deslocar- me. Sempre agradeço a dita de ter viajado ao lado de um santo. Agradeço a Nossa Senhora de Fátima esta inesquecível Graça.