Passamos por Humaitá, na margem alta do rio.
Um pouco antes se via uma clareira aberta na floresta, com alguns tratores.
Será um trecho da Transamazônica?
Os embarcadiços se tornam mais acostumados a água do que à terra firme.
O prático, seu Santero, quase nunca sai do barco.
Quando atracamos perto de algum lugarejo e alguém pensa em ir lá dar uma olhada, ele fala:
“Você ainda vai no seco hoje?”
Foi o que aconteceu, após a janta.
Seu Ferreira e Laurindo soltaram a canoa e na luz de um lampião foram remando até a outra margem, eu fui junto. Lá em cima no barranco haveria um Boi (festejo de boi bumbá).
Enquanto nos aproximávamos, algumas poucas canoas se avistavam, chegando como sombras silenciosas em meio à escuridão silenciosa das águas.
Subimos o barranco penosamente, mas ao chegar no local da festa o cenário era bem desanimado.
Havia apenas um pequeno grupo de pessoas em círculo, batendo palmas tímidas para a dança de uma mulher fantasiada com cabeça de boi. Dois músicos acompanhavam a dança, um cantando e tocando viola, o outro batucando com um pequeno atabaque. Na luz de três candeeiros.
Também havia alguma coisa de comer e pinga pra tomar.
Mas não ficamos muito tempo no festejo e, voltando pro nosso barco, Laurindo reclamava do esforço em vão de cruzar o rio e subir o barranco.
– Isso lá é Boi?, ele falou decepcionado.
Às quatro da madrugada reiniciamos a viagem.
Agora já tomamos café e estamos sentados sobre os fardos, cada um com seu livro, o barco navegando a velocidade normal.
Laurindo interrompe a leitura e me conta: “Muitos metros abaixo do leito do rio Amazonas flui lentamente um rio subterrâneo, seguindo o mesmo percurso.“
Soou a sineta de alarme, o barco foi diminuindo a velocidade e o sr. Santero se preparou para sair e fazer as sondagens. Aí Laurindo pediu pra ser ele o remador, deixou seu livro virado sobre um fardo e foi soltar a canoa.
Curioso pelo aspecto antigo do livro, peguei-o e me pus a ler, no lugar em que ele havia deixado aberto.
O livro é em espanhol e cita uma série de autores antigos: Aristóteles, Diodoro Siculo, Colombo e os cronistas espanhóis como Diaz de Castillo, Agustin de Zárate, Fernando de Montesinos…
Nas sessenta e poucas páginas que consegui ler há dois temas principais.
O primeiro gira em torno da origem da chacona, uma dança que se tornou muito popular na Europa, depois da descoberta da América, e foi usada pelos compositores do barroco.
Traz a cópia de um manuscrito – feito por um espanhol em 1594 nas proximidades de Potosí – com as notas de uma música chamada Chacrona.
Segundo o cronista, um grupo de pessoas se reunia na casa de uma mulher, onde tomavam uma bebida que ela preparava e depois passavam várias horas cantando e dançando, na noite.
A palavra chascona, que quer dizer “mulher descabelada” mas também “estrela”, está associada a essas danças rituais.
O segundo tema é o de maior peso, ocupa a maior parte do livro.
Nos Paralipomenos, livro 2º, se lê que o rei Salomão adornou sua casa com o ouro de Parvaim.
A Bíblia não dá nenhuma indicação sobre esse misterioso lugar, nunca foi possível localizá-lo. Até a descoberta da América…
No hebreu antigo v e u são intercambiáveis. Assim que em outros lugares se lê Paruim. Mas im é a terminação usada para fazer o plural, por ex. no nome da divindade:
El é Deus, Elohim é Deuses.
Então, Paruim é o plural de Paru.
Acontece que não muito longe de Machu Picchu, no Biru (antigo nome do Peru), existem dois rios auríferos com esse nome, rio Paru e rio Apu-Paru (o “rico Paru”), que confluem no Ucayali, um dos grandes afluentes da bacia superior do Amazonas.
“Em hebreu, para referir-se conjuntamente a estes dois rios – que descem de Carabaya, a província mais aurífera do Peru –, a palavra é justamente Paruim.”
O livro traz um sem-número de argumentos – por ex. as semelhanças da língua quéchua com as línguas canaanitas – para demonstrar que os barcos do rei Salomão e do rei fenício Hirão – em suas viagens de três anos – vinham buscar ouro, prata, bugios e pavões na Amazônia.
Solimões, um dos nomes do grande rio, seria uma corruptela de Salomão.
O país de Aypira (Livro dos Reis, I, cap. 9), em outro lado grafado Ophir, se refere à região do rio Japurá. (Sobre a chacona eu já sabia alguma coisa, famosa é a Chaconne de Bach, para violino, em ré menor.)